A matriz religiosa afro-brasileira
Esse
blog fala de Candomblé e Ifá mas existe um tema importante que é o
que esta além do Candomblé no Brasil, o Candomblé não representa
sozinho a matriz religiosa afro-brasileira.
O
candomblé, como já é extensivamente explicado em outro texto
deste BLOG, é um dos cultos de Orixá (òrìṣà) no Brasil.
Ele é composto, na verdade não por uma unidade, mas sim por vários
cultos distintos e estes tem raízes religiosas bem diferentes, isto
é, cultos que representam matrizes religiosas originais distintas e
por esta razão não deveriam ser nomeados juntos. Mas, aqui no
Brasil, uma parte da diversidade religiosa afro-brasileira recebeu o
nome comum de “Candomblé”.
Mas
é importante estar atento para o fato de que nem tudo que faz parte
da dita matriz religiosa afro-brasileira é Candomblé, existem
várias outras tradições religiosas.
Uma
pesquisa pelo google buscando explicações sobre o que é a matriz
religiosa afro-brasileira vai retornar resultados decepcionantes.
Seja na sempre irregular wikipedia ou fora dela, não existe um
mínimo de explicação do que seja essa matriz.
Observem
que, todo mundo que vai falar sobre cultos afro-brasileiros, usa essa
expressão de religião de matriz africana ou matriz afro-brasileira,
mas, pouca gente se detêm a entender sobre o que é isso, do que é
composta essa matriz.
Eu
encontrei textos muito ruins, pouco estruturados, bastante confusos
para entender. Vi uns poucos trabalhos acadêmicos com igual baixa
qualidade que mostra que a produção acadêmica no Brasil é risível
e se dependermos de pesquisa acadêmica para nos entendermos melhor,
não vamos saber quem a gente é.
Estou
longe de ser o dono da verdade, mas, estou nessa religião ha muito
tempo e pesquiso sobre ela também ha muito tempo. Sei reconhecer
quando uma coisa escrita me traz identificação ou apenas confusão.
Baseado
nisso e na minha preocupação de trazer informação religiosa sobre
eu tema eu fiz este texto para tratar do assunto. É a minha visão.
A
origem africana
Sobre
religiosidade afro-brasileira, temos que lembrar que a África é um
continente e falar de África como a gente fala é por princípio um
grande erro.
Nós
aqui, no Brasil, o tempo todo falamos de África sem ter a atenção
de que estamos nos referindo a um enorme continente e não a um país.
Quando
falamos de afro ou África estamos nos referindo a influência de um
conjunto restrito de etnias da África central, a África das
florestas. Mas a África é muito maior do que isso, existe a parte
Saariana (Maghreb, Saara e vale do Nilo), a áfrica oriental, a
meridional e a das savanas. Nós pensamos na África como um
continente negro mas isso não é uma verdade, a gente olha a África
subsaariana, a chamada África negra, como se ela fosse toda a
África, mas não é.
E
mais ainda, estamos falando de 2 pequenas regiões, que é o golfo da
guiné (ou costa dos escravos) e congo-angola, que são as principais
origens de pessoas escravizadas enviadas para o Brasil.
A
África não é um continente homogêneo e muito menos negro, nós
nos referimos aqui como se a África negra, a subsaariana, a África
das florestas úmidas, resumisse tudo. Se fossemos ser corretos, ao
falar de matriz religiosa afro-brasileira deveríamos incluir o
judaísmo e o islamismo, porque eles estão ali em uma região que,
apesar de não ser África, ela é próxima demais da África e longe
demais da Ásia.
Assim,
nossa matriz afro-brasileira está ligada a África negra,
subsaariana, porém mais restrito ainda, estamos nos referindo ao
golfo do Benin, ou costa dos escravos, um pedaço pequeno da África,
porque foi desta área que vieram os grupos étnicos que vieram para
o novo mundo, para o Brasil, através da diáspora negra, trazendo
sua religião.
Observem
que estou agora excluindo a região do congo-angola, porque apesar de
numerosos e terem sidos os primeiros escravizados, esse grupo étnico
não influenciou a matriz afro-brasileira.
Em
termos culturais esse grupo étnico, em todos os lugares para onde
foi levado no novo mundo, influenciou muito pouco a sociedade que o
recebeu, o efeito foi o contrário, eles é que foram influenciados
pela sociedade que os recebeu. Suas contribuições existem, claro,
mas são pequenas.
As
Nações
Até
hoje essa matriz religiosa é referenciada pela unidade NAÇÃO,
a maior parte das referências que encontrei traduz as religiões
africanas como as Nações de Candomblé. Muitos se referem inclusive
ao Candomblé como sendo o culto de Nação, mas, por que isso?
O
que é o conceito de Nação?
Explicar
isso é o mais importante para iniciarmos, porque não dá para nós
falarmos modernamente de matriz religiosa afro-brasileira sem a gente
desconstruir primeiro o conceito de “nação” que norteia a
cabeça de todos e somente traz confusão a essa discussão.
Mais
uma vez, por que? Simples, é um conceito absolutamente flexível e
variável, não significando nada representativo.
A
seguir vou descrever isso usando como base a análise de Luis
Nicolaus Parés, em seu excelente livro “A Formação do
Candomblé”, o texto é livre, com meu formato mas ele foi a fonte
estruturada de informação.
O
termo “nação” foi usado no século XVII e XVIII, pelos
traficantes de escravos, missionários e outros grupos que
trabalhavam na África com o comércio de pessoas escravizadas para
designar os grupos populacionais africanos, não havia, contudo, por
trás do uso deste termo, uma designação de uma organização civil
formal, como um país ou reino, como estamos acostumados. Os
europeus, bem mais organizados, encontravam naquelas regiões da
África, da costa dos escravos, uma sociedade tribal na qual as
pessoas viviam suas vidas sem se ocupar com questões “nacionais”.
O
povo da costa, estava em um momento de tempo anterior aos europeus,
que já tinham passado por aquilo, mas, naquele momento, século
XVII, já se apresentavam lá como as nações que estamos
acostumados a conhecer.
Dessa
forma o conceito para o uso do termo “nação” era completamente
aberto e amplo e designava grupos de pessoas da maneira mais ampla e
flexível, porque dependia de quem olhava a coletividade.
A
identidade coletiva na África era, em sua base, feita através de
afiliação por parentesco e a certas chefias locais baseadas em
instituições monárquicas, lembrando que o conceito de rei na
África era bem variável e acessível, bem distinto do que
conhecemos do modelo europeu. Muita gente podia ser rei, por algum
tempo era um cargo quase que civil, as pessoas eram nomeadas rei.
A
principal identidade das pessoas, naquele período e região,
decorria, dessa forma, de vínculos de parentesco das corporações
familiares que reconheciam entre eles uma ancestralidade comum.
Nesse
formato, a atividade religiosa relacionada ao culto de determinados
ancestrais ou de entidades espirituais era um veículo importante da
identidade étnica ou comunitária.
A
cidade ou território de moradia e a língua eram também importantes
fatores e denominações de identidades grupais na região do golfo
da Guiné, África ocidental, existe um sistema de nomeação no qual
os habitantes compartilham o mesmo nome da cidade, aliás como e
outros lugares do mundo.
Por
outro lado a identidade coletiva das sociedades era completamente
multidimensional e a população não se identificava ou se apegava a
nenhuma classificação específica. Um mesmo grupo, ao mesmo tempo,
poderia ter mais de uma denominação assim como ao longo do tempo
empregar ou aceitar outras que lhe dessem.
Voltando
ao princípio a principal identidade de coletividade era com o
vínculo ancestre comum ou religioso, aceita denominações externas
não era nenhum problema ou mudava suas vidas.
Dessa
maneira, critérios como grupo étnico, religião, território,
língua e política podiam ser empregado indistintamente, seja pela
conveniência do momento ou por que os classificava. Alianças
políticas e dependência tributárias a certas monarquias
configurava novas formas mais abrangentes de identidades nacionais.
Um
outro formato era de um grupo classificar o outro, na verdade um
grupo externo podia classificar um aglomerado de grupos de uma forma
única porque não interessava analisar detalhes menores, foi como o
que ocorreu com as denominações Jeje e Nago.
Posteriormente
com o processo do tráfego de escravos, novas formas de
“nacionalizar” as pessoas surgiram e usando critérios muito
atípicos.
No
século XVI, no Brasil, usava-se o termo “gentio da Guiné” ou
“negro da Guiné” para se referenciar de forma genérica aos
africanos. Segundo Parés, já na primeira metade do século XVII
começaram a distinguir as várias “nações”. Uma citação
militar indicava, no Recife, por exemplo, a presença de 4 nações:
Minas, Ardas, Angolas e Crioulos, sendo que o quarto grupo de refere
a descendentes de africanos nascidos no Brasil, como uma “nação”,
que era assim, um conceito novo, distinto dos existentes na África e
que mostra que essa designação de nação era completamente
flexível.
Simplificando
muito esta explicação, que poderia se alongar bastante, um critério
relevante que foi usado para denominar os africanos aqui no Brasil,
foi, veja bem, o de porto de origem do embarque de escravos. Assim
Mina, Costa, Arda entre outros eram, na verdade, portos de embarque
escravos. Isso criou o que podemos chamar de denominação metaétnica
(externa) as populações e com o tempo de fundia com denominações
étnicas de fato, criando novas identidades coletivas.
O
forte de são João da Mina constituiu um importante centro de
embarque de escravos de várias origens regionais e todos esses
acabavam sendo chamados como “minas”. Escravos do reino de Benin
e mesmo do Congo eram embarcados neste entreposto. Etnias como os Gãs
de Accra, fante-anés de Elmina, hulas e uatchis junto com outros
todos embarcaram pelos portos da região da mina e assim foram
denominados. O termo “mina” designou uma extensa população
embarcada em uma área que iniciava no castelo de São Jorge da Mina
até a desembocadura do rio Niger.
Não
vou me estender nesse assunto histórico e geográfico, bastante
interessante por sinal, mas concluo com uma referência importante. O
termo “mina” variava dependendo da região do Brasil, assim no
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Maranhão você encontrava
diferentes grupos étnicos com a mesma denominação “mina”.
Esse
caso dos “minas” é apenas um, além dos crioulos, posso citar
outras denominações de nações que eram metaétnicas, como os
Malês e que nada servem para identificar as pessoas de fato, de onde
elas vieram ou quem eram.
Dessa
forma as denominações metaétnicas variavam em conteúdo dependendo
da região e época. A criatividade e a flexibilidade fazia com que
novas designações metaétinicas surgissem para nomear os mesmos
grupos ou grupos diferentes baseados em fatores locais e políticos,
fazendo com que a designação de “nação”, aqui no novo mundo
nada tivesse de relação com a mesma coisa na África.
Assim,
o meu ponto é, se “nação” não serve para identificar a origem
de um grupo humano, ou seja, seus laços e cultura religiosa ou
social, qual a utilidade de usarmos “nação” como uma referência
para entendermos ou identificarmos elementos na matriz religiosa? No
meu entender nenhuma.
Por
essa razão minha opinião é que usar o termo “nação” é
absolutamente inconclusivo, inadequado e impreciso para tratarmos com
a matriz religiosa. A referência a “nação” é bastante confusa
e complexa e apenas traz confusão ao tema.
Infelizmente
as denominações coletivas baseadas em “nações”, não traduzem
nada em relação a origem das populações ou mesmo sua identidade
como povo, se é que podemos dizer que havia alguma.
O
termo “nação” foi usado amplamente para coletivizar os
africanos e um mesmo grupo pode ser encontrado em diferente forma de
classificação, em diferentes “nações”. Os critérios de
denominação, como porto de origem ou mesmo visão de conquistadores
é completamente esdrúxulo e não traduz nada.
Dessa
maneira, ao tratarmos aqui as tradições religiosas como “nações”
estamos dando um passo para longe do entendimento, “nação” não
nos ajudará a entender nada, pelo contrário traz mais confusão ao
tema.
Eu
recomendo uma leitura do livro do Parés para entender esse processo
com mais detalhes e riqueza, está no capítulo I, mas o que
interessa a este texto é o ponto inicial para minha explicação
sobre a matriz religiosa afro-brasileira, de que temos que iniciar
ignorando as denominações de nações africanas para poder entender
essa matriz.
Tradições
religiosas e não “nações”
Essa
confusão de identidades, com o passar do tempo, no Brasil,
acabaram-se consolidando. Várias formas de nominações de nações
simplesmente acabaram ou deixaram de ser usadas, identidades étnicas
foram colocadas em segundo plano e em desuso e tudo se consolidou
basicamente em grupos religiosos.
Esse
processo de extinção e consolidação apenas demonstram o que eu
disse anteriormente, não tinham relevância nenhuma.
O
que digo é que os diversos agrupamentos de denominações coletivas
tratadas como “nações” foram sendo depuradas, eliminadas,
consolidadas e o que restou dessa denominação “nação” foram
na verdade os agrupamentos religiosos, ou seja, o que predominou foi
a crença comum na religião e nas divindades que identificava essa
religião.
Muitos
casos de denominações de nações aqui no Brasil era por causa de
uma casa específica, que em vez de ser nomeada como uma raiz de axé
(àṣẹ́), era nomeada como uma “nação”. O Xambá e o Efon
eram em princípio isso, na verdade uma raiz de axé (àṣẹ́) que,
usava o Ketu como referência, mas que passou a ser denominada como
uma nação, seja a casa original como as casas decendentes.
Longe
de mim querer interferir ou deslegitimar essas “nações”, mas
minha avaliação é essa e, como o meu interesse se concentra na
matriz religiosa, digo que essa nomenclatura ou classificação de
“nação” não pode ter nenhuma relação com a matriz religiosa.
Dessa
forma as casas podem ser agrupar como quiser, pode chamar de axé
(àṣẹ́) ou de “nação”, mas para análise e entendimento
minha proposta é outra.
Assim,
como estamos tratando de religião, a minha opinião é que temos que
abandonar a análise de “nações”, ou melhor não pautar
qualquer análise da matriz religiosa pela correlação com “nações”.
O
que resultou disso não foram “nações”, foram tradições
religiosas.
Neste
momento, não vou aqui, neste texto, explicar o que seja uma tradição
religiosa, tenho um excelente texto para isso aqui no blog que pode
ser consultado.
O
que interessa a todos saberem é que o que começou com essas
denominações multiétnicas terminou com a consolidação na verdade
de tradições religiosas. A identificação dos grupos se fez pela
identificação com uma raiz religiosa e com o culto a um conjunto de
divindades, configurando a adesão a uma teogonia, teologia e
liturgia.
As
identidades étnicas familiares e linguísticas foram substituídas
pela identidade religiosa criando um conceito de família religiosa
ou “família do santo”, isso estabeleceu os africanos
inicialmente como o “povo de santo”, ou o povo que se aglomerou e
se uniu através da religião e dos seus santos, os orixás e voduns.
A
questão da língua original, ou melhor dialeto, nunca teve nenhuma
significância. Isso rapidamente acabou e o mito de que os negros na
Bahia, por exemplo, falavam uma outra língua era apenas isso mesmo,
um mito.
O
que existia não eram dialetos, era apenas português misturado com
um Yorùbá de terreiro, as vezes misturados com palavras de Jeje e
angola, palavras usadas aleatórias que fazia parecer que essas
pessoas sabiam falar uma outra língua. Não sabiam nada.
Nina
Rodrigues descreve um evento muito interessante:
Tão
conhecido é o fato da importância da língua nagô na Bahia que se
tem chegado mesmo ao exagero. Quando em 1899 estiveram nesta cidade
[Salvador] os missionários católicos que percorriam o Brasil
angariando donativos para a catequese africana, foram eles
aconselhados a dirigir-se à população de cor da cidade em língua
nagô. O sermão pregado na igreja da Sé no dia 4 de janeiro teve
completo insucesso, reunindo apenas alguns curiosos. [...] era um
erro supor que entre nós se mantivesse na população crioula uma
língua nagô tão pura que lhe permitisse entender o missionário;
os que falam a língua antes se servem de um patois, abastardado, do
português e de outras línguas africanas (NINA RODRIGUES, 1988, p.
132)10.
Outro
panorama interessante é descrito pelo Jornalista João do Rio no seu
livro As Religiões do Rio de Janeiro. Ele descreve o mundo dos
cultos africanos no Rio no início do século XX e mostra um povo
bastante desorganizado.
O
ponto aqui é que, o que reuniu essas pessoas não teve nada a ver
com suas etnias, aldeias ou língua. O que os reuniu foi a crença
religiosa e ao adotar uma crença, uma tradição, eles se ajustavam
ao formato que aquela tradição estabelecia.
O
processo que os reuniu em tradições foi literalmente o mesmo que
permitiu a essas tradições e casas acolherem o resto da população
brasileira, de qualquer raça, que desejou adotar a religião. Esse
ponto é importante porque empregar o termo Tradição Religiosa,
separa a prática da religião que acabou sendo adotada por toda a
sociedade do caráter étnico que muitas pessoas ainda dão para o
Candomblé.
O
Candomblé não está associado a nações africanas porque a ligação
de nações e etnias é por demais fraca ou ausente. O Candomblé e
demais tradições não pode ser o ponto de partida ou concentração
para iniciativas que caráter etnocentrista, esse momento passou ou
nunca existiu. A religião foi adotada pela sociedade e o que menos
se vê hoje em dia em Candomblés são negros.
Esse
comentário é para destacar que o que temos hoje é o Candomblé e
demais tradições religiosas como parte da religiosidade geral do
nosso povo. Negros são católicos e evangélicos como o restante da
população. As religiões da matriz afro-brasileira, hoje, tem a
mesma distribuição de pessoas por idade, cor e instrução que
caracteriza nossa população em tudo que ela tem.
Raízes
religiosas
Tudo
isso que foi dito foram desconstruções necessárias para podermos
tratar aqui da matriz religiosa afro-brasileira. Assim estou
começando do princípio sem me preocupar com esse entulho confuso
que existe hoje.
A
primeira coisa a abordar é, o que é uma matriz religiosa
afro-brasileira?
A
matriz é a fusão resultante das religiões de origem africana, como
eu especifico com origem no golfo de Benin, com a sociedade
brasileira, resultando em cultos e práticas religiosas. É uma
formação que preserva a origem religiosa original, mas, se
configura para este povo, para esta sociedade, para a nossa história
e inclui influências religiosas cruzadas, sincretismo, com outras
religiões.
O
conceito de preservar a origem e prática religiosa original,
africana, é importante para o entendimento disso e não incorrermos
em erros.
O
meu conceito de sincretismo é mais amplo do que muitos atribuem, eu
considero não só a influência do catolicismo (o sincretismo
externo) como também, e principalmente, entre as raízes religiosas
do golfo e seus diversos cultos. Esse na verdade é o maior
sincretismo. Ambos os sincretismos são relevantes em escalas
distintas e aqui temos um tema complicado.
Em
algumas tradições religiosas o sincretismo externo não teve
nenhuma relevância, por exemplo os Candomblés jeje e Yorùbá
(Ketu). Foi adotado em um período e retirar ele não fez ou fará
nenhuma diferença. Mas outras tradições foram muito influenciadas
pelo sincretismo externo e isso faz parte de sua estrutura central,
como por exemplo o Tambor da Mina.
Reagir
ao sincretismo, desta forma, pode ser relevante para umas tradições
e absolutamente inadequado para outras. Observem que estamos tratando
aqui de tradições brasileiras e não de religiões originais
africanas, não nos interessa de nenhum jeito como é a manifestação
dessas religiões no Golfo do Benin, lá existe as tradições deles,
não as nossas.
Desta
forma é assim, aqui, nossas tradições religiosas, lá, as
tradições deles, o que existe de comum é a raiz religiosa.
Não
existe sentido em falarmos de uma matriz afro-brasileira se não
entendermos e aceitarmos todos os processos de assimilação regional
e cultural que são resultantes dessa formação. Uma matriz
afro-brasileira não significa ter aqui no Brasil uma religião
africana, significa ter uma religião afro-brasileira.
Pessoas
que, hoje em dia, defendem africanismos não entendem o que seja uma
matriz afro-brasileira e muito menos uma tradição religiosa.
Estamos sendo invadidos por tradições estrangeiras, ou seja
configurações feitas e adequadas a outros povos, mas, independente
da origem deles, elas não são melhoras que as nossas, pelo
contrário, são piores.
O
que nos importa aqui é que nossas tradições derivam de raízes
religiosas comuns.
Observe
que a expressão matemática “matriz” revela um modelo de 2
dimensões no qual temos 2 tendências ou fontes, que se cruzam
gerando uma resultante. No nosso caso temos as religiões cultos e no
outro a sociedade brasileira, regionalizada, formando na interseção
disso, as tradições religiosas.
É
claro que esse exercício de montar o que seria essa matriz pode ser
feito por várias pessoas e com resultados diversos, eu cheguei ao
meu purificando e estruturando conceitos, vamos a eles.
Tratando
da primeira dimensão que é a religião, estamos tratando de uma
influência religiosa que teve origem na região da áfrica central
subsaariana, na verdade mais fortemente da África Ocidental e mais
especificamente do Golfo do Benin. Essa é a origem das religiões
que geraram tradições religiosas aqui no Brasil, a fonte do que
estamos tratando disso é uma região bem específica, o Golfo do
Benin.
Existe
também uma outra área de origem de influência, bem menor, na
África central, a África das florestas úmidas, uma origem baseada
no povo Bantu, a maior etnia africana que na verdade é composta por
outros sub-grupos e que trouxe para o Brasil a Quimbanda. O povo
Bantu é muito numeroso na África, mas historicamente, quero dizer
factualmente, esse grupo, através da diáspora negra, não
influenciou culturalmente nenhum lugar para onde foi, diferente do
grupo Yorùbá, que em todo lugar que se estabeleceu ele criou raízes
e influenciou a sociedade.
Esse
comentário é baseado em fatos e análises. Os Bantu e suas divisões
foi a etnia das primeiras levas de pessoas escravizadas que foram
enviadas ao novo mundo. Milhões vieram ao Brasil. Foi o primeiro
grupo e mais numeroso.
Contudo,
aqui no Brasil, como em todo lugar que foi, o grupo Bantu não gerou
impacto social relevante em nenhum destino se comparado com o grupo
Yorùbá que, para onde foi, criou marcas na sociedade, seja com
cultura, arte, ou religião.
A
influência religiosa do grupo Bantu no Brasil é de nenhuma a muito
pobre. Os Bantu trouxeram o que foi chamado de Quimbanda, Quiumbanda,
ou macumba. Ao longo do território brasileiro é creditado a eles a
influência de outros cultos, como por exemplo o Terecô, mas, ha
muito pouco ou nenhuma documentação sobre isso. Se ter documentação
história ou antropológica ligados aos Yorùbá ou Jeje, que são
grupos importantes, em relação aos Bantu é quase impossível.
O
que posso afirmar que independente de alguns cultos em todo o Brasil
terem ou não sido influenciados pelos Bantu, essas práticas todas
se extinguiram, acabaram ou foram absorvidas pela Umbanda, mas, vejam
absorvidas no sentido de terem sido substituídas e não que elas
tenham mudado a Umbanda.
A
história mostra que o primeiro núcleo de aglomeração
semi-religioso eram os Calundus, que foram substituídos pelos
Candomblés. Mas uma análise mais detalhada do processo de formação
dos Calundus mostra um cenário diferente.
“Os
Calundus eram uma célula tipicamente familiar Foi um termo genérico
utilizado para designar atividades religiosas de várias índoles,
porém de origem africana, em oposição às práticas católicas ou
ameríndias. Em bora as danças e tambores fizessem parte da
atividade ritual, a sua funcionalidade era essencialmente terapêutica
e oracular..” (luis Parés p. 115)
Como
Parés analisa e eu concordo, isso era o núcleo do processo de
feitiços, trocas, fetiches, elaboração de patuás e amuletos, uma
relação de cliente-curandeiro-adivinho com pouco ou nenhum vínculo
religioso.
Somente
com a presença do povo da costa, os Yorùbá e Jeje, é que foram
montadas as estruturas mais sofisticadas, com altares dedicados a
divindades, sacrifícios e oferendas alimentícias que levou a uma
prática religiosa de fato para outro patamar, com devoção e
dedicação, que é a base da religiosidade africana de fato.
As
atividades litúrgicas passam a ser orientadas para melhorar a vida
das pessoas na terra, com ebós corretivos e propiciatórios, o uso
da liturgia religiosa ganha um contexto de coletividade.
Este
é o parâmetro que denota uma religiosidade de modo que o modelo
Bantu não entre no meu contexto de matriz religiosa.
O
grupo Bantu não trouxe uma religião. Certamente esse culto de
Quimbanda poderia ser listado como parte da matriz afro-brasileira,
independente da sua qualidade, mas, isso acabou, eles tiveram que
virar Umbanda, para a infelicidade da Umbanda.
Dessa
maneira não inclui o grupo Bantu na análise da matriz religiosa.
Uma discussão poderia ser se, por causa da absorção a Umbanda não
passaria a fazer parte da matriz religiosa.
Eu
não incluo, porque, apesar de a Umbanda ter absorvido alguns
aspectos alegóricos e estéticos como o uso de tambor e entidades
chamadas de esquerda, isso tudo foi apenas aparência, o grupo Bantu
não mudou em nada a prática de Umbanda, pelo contrário se adaptou
e se alinhou com a prática da Umbanda.
O
fato de algumas linhas de umbanda usarem tambores e nomes de orixá
(Òrìṣà) não fez com que a linha doutrinária principal da
Umbanda sofresse mudança, apenas adaptações alegóricas.
Dessa
maneira, do grupo relevante para a matriz religiosa, os do golfo do
Benin, vieram 2 religiões distintas, a do grupo Yorùbá e a
do Grupo Jeje. Quando digo religião diferente é porque é isso
mesmo, religiões distintas.
Não
será tema deste texto explicar as diferenças entre essas raízes
religiosas, não nego que seria um tema bastante interessante mostrar
como elas se distinguem, mas, não desta vez. O que peço a todos é
que entendam que, sim, são duas raízes religiosas distintas.
A
matriz religiosa afro-brasileira é composta assim de tradições
diferentes ligadas a essas 2 raízes religiosas separadas.
Essas
raízes religiosas são distintas e convivem em áreas
geograficamente próximas que poderia muitas pessoas insinuarem que
na verdade seriam a mesma coisa, mas, isso não é verdade.
É
claro que sendo próximos algum sincretismo e influências ocorreram
mesmo na sua origem. Aqui no Brasil, com muito mais proximidade
ainda, dentro da matriz, houve um processo de sincretismo interno
onde cada uma dessas raízes e seus grupos influenciaram o outro. As
pessoas comentam apenas o sincretismo externo, com o catolicismo, mas
o mais importante foi o interno.
Somente
quem conhece o tema comenta isso, o sincretismo interno e de fato é
um aspecto muito especializado para interessar a leigos, porém,
ambas as raízes religiosas adotaram aspectos da outra, seja na
estrutura de liturgias como também em algumas características da
teogonia.
Por
exemplo, sem dúvida, a organização de um terreiro com multiplos
orixá (Òrìṣà) é uma coisa que veio do Jeje, onde isso é
comum, não sendo o modelo Yorùbá. A estrutura de iniciação do
grupo Ketu sem dúvida nenhuma foi adotada por todos, é impossível
termos tanta similaridade sem uma influência direta e assim vai.
Mas
atenção a todos, apesar de aqui termos feito algumas fusões as
religiões são de fatos distintas. Se você gastar um tempo para
analisar e estudar essas 2 raízes religiosas vai poder dizer isso
claramente. Sincretismos sempre podem, mesmo la no golfo, ocorrer mas
são de fato raízes separadas.
Considerando
a raiz religiosa a divisão das tradições é a seguinte:
Raiz
religiosa JEJE:
- Tambor-de-mina (MA, PA)
- Candomblé Jeje (BA, RJ)
Raiz
religiosa Yorùbá
- Xangô ou Nagô (PE)
- Culto egungun (BA)
- Candomblé Ketu (BA, RJ, SP)
- Culto de Ifá (RJ, SP)
- Batuque (RS)
Eu
recorri a algumas fontes formais para não cometer muitos enganos e
achei uma boa variação, o que mostra que, de fato esse é um
assunto que merece ser abordado. Não existem um consenso muito fácil
no assunto.
Eu
usei o bom sendo, a pesquisa complementar e a minha vivência para me
posicionar aqui nesse texto.
O
que é fácil de ver é que todo mundo fala de boca cheia e existe
pouca ou nenhuma precisão sobre o que estão falando. Matriz
religiosa afro-brasileira virou um daqueles adjetivos para descrever
qualquer coisa que você não quer se dar o trabalho de aprender ou
entender.
Não
estou preocupado com as reclamações e contestações sobre essa
lista. Faça a sua. Eu fui muito cuidadoso ao montar a essa aí. Tive
o cuidado de excluir tradições que já estão extintas, vou
comentar sobre elas no final.
O
assunto tem um emaranhado de subdivisões e pouca clareza para ser
abordado, é muito fácil gerar complexidade e confusão sobre o
tema.
Cultos
religiosos
Observem
com atenção que minha abordagem ao tema da matriz religiosa é
através da proposição de um modelo novo, estruturado e que
abandona a abordagem atual e confusa das “nações”.
Nesse
sentido, falamos da origem africana, falamos das 2 raízes religiosas
e o próximo nível para falarmos, descendo na hierarquia comuns as 2
raízes religiosas é sobre os cultos religiosos.
Observem
que até agora não falamos das tradições religiosas (ex “nações”),
das raízes de axé (àṣẹ́) e das casas. O que falamos de
tradições religiosas foi para desconstruir o modelo baseado na
referência de “nação”.
O
segundo nível de divisão e que é comum a todas as tradições é a
ligação com o tipo de culto religioso. Apesar de
estarmos lidando com tradições bem distintas, e raízes religiosas
distintas, esta é uma divisão significativa quando tratamos de
religiões complexas.
Os
cultos religiosos para o grupo Yorùbá podem ser Orixá
(Òrìṣà), Egungun e Ifá. Para o grupo JeJe também existiria a
mesma estrutura iniciando pelo culto aos Vodum (que é o equivalente
ao orixá (Òrìṣà)), mas os equivalentes ou similares aos demais
cultos (egungun e Ifá) não estão presentes no Brasil.
O
principal grupo de
ambas as raízes é o culto de orixá (Òrìṣà) e Vodun,
que representa o grupo de divindades principais que estão mais
envolvidas com o ser humano, seu dia a dia, sua vida e família.
Ambas as religiões são baseadas no culto de orixá (Òrìṣà) e
Vodum, os demais cultos têm
funções complementares ou específicas.
No
grupo Yorùbá temos a tradição religiosa do culto
de egunguns. Esse culto
teve origem bem
localizada na
Bahia, ilha de
Itaparica, foi trazida
tardiamente (século
XX) mas já
está
estabelecida, tem origem real no povo Yorùbá e papel na religião e
tem casas em outros lugares do Brasil além da Bahia.
A
tradição de Egungun está
ao lado da tradição
de Orixá (Òrìṣà) mas
é independente do
culto de orixá (Òrìṣà). Tudo é interligado pela teogonia
da religião, mas, são
independentes.
O
culto de
Ifá faz ou fará parte
deste contexto. É similar ao culto de Egungun nesse aspecto. Ele foi
introduzido bem mais
tardiamente (fim do
século XX, praticamente
início do XXI), está se estabelecendo a partir do Rio de Janeiro e
São Paulo e é uma
tradição muito nova ainda, está em formação no Brasil. O que
temos são práticas importadas de Cuba de do Golfo do Benin, muito
pouca ou nenhuma nacionalização, uma prática voltada para o
comércio e nenhuma
integração com os cultos de orixá (Òrìṣà).
Dessa
maneira ainda não temos uma tradição de Ifá própria, brasileira,
que se adicionará a nossa matriz religiosa afro-brasileira. No
momento, temos, temporariamente, o culto de Ifá sendo representado
por 2 tradições estrangeiras distintas, uma vinda de Cuba e outra
vinda do Golfo do Benin.
Essas
tradições são externas, estrangeiras, não fazem parte de nossa
matriz. O culto que elas estabelecerem no Brasil, o Ifá brasileiro
é que fará parte da matriz.
Na
raiz do Jeje também existem cultos similares aos Yorùbá, existe o
Fá que é equivalente ao Ifá e tem um culto similar ao de Egungun,
mas, desconheço que ambos tenham vindo para o Brasil, no caso do
Jeje o que veio para o Brasil foi apenas o culto de Vodun.
Assim,
encerrando mais um nível, temos que entender que no topo da
hierarquia vem a raiz religiosa e depois o culto. Essas 2
classificações são comuns a tudo o que vem abaixo que será
justamente a tradição e as casas.
Tradições
religiosas
O
próximo degrau de especialização na matriz são as tradições,
como já citei essa denominação substitui o uso da expressão
“nação” porque essa última não tem nenhum significado
específico e pode passar uma impressão que está ligado a fatores
étnicos que não tem representatividade na denominação de “nação”.
Como explicado longamente, pode ter ou não, é aleatório.
Lembro,
mais uma vez, minha posição de que o uso de termo “nação” é
absolutamente inadequado. O termo que deve ser usado para nomear os
elementos é o de Tradição Religiosa. É o termo correto e
significa de fato o que une as pessoas em torno de sua prática.
Ressaltando,
as tradições religiosas são o encontro da religião e culto
religioso vindo da África, das regiões de designei, com o povo, a
cultura, a história e o próprio sincretismo intra-religioso e
inter-religioso.
A
tradição é a adaptação de uma religião e culto a nossa dimensão
como sociedade e isso significa que, em um país continental como o
nosso que diversas tradições religiosas foram formadas, cada uma
delas adaptando a fonte original a região, cultura e história do
lugar onde floresceu.
Como
eu explico em meu texto sobre tradições religiosas elas são
estruturas principais de uma religião, representam uma melhoria da
religião com a sua adequação ao local de estabelecimento. Uma
tradição religiosa é uma estrutura rica em valores e cultura.
A
minha lista das tradições religiosas que fazem parte da matriz
afro-brasileira é:
- Candomblé Jeje
- Candomblé Ketu
- Xangô ou Nagô
- Batuque
- Tambor-de-mina
- Culto egungun
- Culto de Ifá
Essa
lista é contemporânea e curta, mas pode variar, muita gente faz
essa lista, na maior parte das vezes umas copiando as outras sem ao
menos analisar ou estudar o que estão colocando. Em muitos casos
traz sinônimos e também tradições que já não existem mais. O
mais comum é vocês encontrarem tradições que não fazem parte da
matriz africana ou outras que já não tem prática ativa.
Eu
avaliei diversas listas encontrando muita coisa inadequada, com esses
problemas que listei. As tradições que eu não conhecia eu me
aprofundei um pouco mais para poder entender minimamente do que se
tratavam e nessa avaliação eu eliminei várias simplificando essa
lista.
Seria
uma longa discussão sobre o que não esta nessa lista e porque, vou
colocar isso no final com o nível de detalhe que for possível.
Cada
uma das tradições listadas merecia uma longa explicação sobre
como é e que origem teve, particularmente falar sobre as tradições
do Jeje a partir do Maranhão seria importante em vista da
característica especial que originou a criação da casa das minas,
bem diferente da tradição Jeje a partir do Recôncavo Baiano, mas,
não é para este texto aqui.
Observem
que o Candomblé é apenas uma parte disso, claro que denomina 2
grupos importantes e numerosos, mas, nem tudo nessa matriz é
Candomblé. No norte e nordeste temos 3 tradições diferentes e mais
a casa das minas que não vou incluir porque ela não tem futuro. O
Xambá já foi descrito de forma separada e era uma tradição
religiosa de Pernambuco, mas é considerado extinto, vou abordar os
erros das listas no final no texto.
O
Candomblé, possivelmente a mais conhecida tradição
afro-brasileira, deve ser entendida primeiro a partir de suas 2
tradições, A tradição Jeje e a tradição Yorùbá. Ambas tem
subdivisões. O Batuque do sul, por exemplo, tem umas 3 ou 4
subdivisões.
No
caso do Candomblé Ketu sei que vou atrair a antipatia de muitos ao
nomeá-lo a tradição principal, porque existe de fato uma corrente
que critica a “ketunização” das casas e que o Ketu teria
acabado com as demais “nações”. Na verdade é que a tradição
religiosa é o Ketu mesmo, mas como já disse as casas podem ser
nomear como quiserem.
Eu
não tenho muita informação sobre as demais, esse assunto de
tradições religiosas é amplo demais e documentado de menos. É
muita informação dispersa. Como vocês vão entender, seguindo o
texto, o importante é entender as bases dessa matriz. O detalhamento
de cada tradição é também um processo muito rico em informação
mas requer aprofundamento em cada uma delas e esse não é meu
interesse com este texto.
As
tradições são organizadas pelos cultos, cada tradição pertence a
uma raiz e a um culto. Se você encontrar uma tradição que misture
isso, raiz religiosa e culto, ignore. Tem muita coisa sem sentido,
misturada e inventada.
Relembrando
a tradição religiosa é o principal denominador dentro dessa
religião, é o mais importante, acima dela estão conceitos
religiosos (e desta forma menos conhecidos) e abaixo dela estão as
casas de forma que a tradição religiosa é o classificador mais
conhecido e comum.
Como
já citei uma tradição é uma evolução da religião, uma
melhoria, uma especialização. Ela traz a religião e principalmente
sua prática para a população local. Uma tradição implica em
adaptações de conceitos religiosos como teologia e teogonia, mas
principalmente liturgia, os ritos.
A
tradição organiza a forma como a religião se manifesta não só no
Brasil, mas na região que a criou e dessa forma tem características
regionais e sincretismo de vários tipos. A tradição abraça o povo
e a sociedade.
Minha
lista de tradições de religiões da matriz afro-brasileira,
considerando a distribuição geográfica é:
No
norte:
- Tambor-de-mina (MA, PA)
No
nordeste:
- Xangô ou Nagô (PE)
- Culto egungun (BA)
No
sudeste
- Candomblé Jeje (BA, RJ)
- Candomblé Ketu (BA, RJ, SP)
- Culto de Ifá (RJ, SP)
No
sul:
- Batuque (RS)
O
uso do estado é apenas uma referência, algumas dessas tradições
tem um alcance nacional.
As
casas
Abaixo
das tradições temos um contexto bem amplo e com mais de um nível
de agrupamento. Sinceramente é bastante confuso e eu não posso
aqui, facilmente,
generalizar.
Cada
uma dessas tradições traz algumas divisões internas, que são
formas de se classificar e agrupar as casas pelo tipo de rito que
adotam. Como eu disse cada tradição já é uma especialização de
várias coisas, inclusive de ritos e formatos de prática. Contudo,
dentro de uma tradição ainda podemos encontrar sub-grupos.
Não
consigo nesse momento, ainda listar todos esses sub-grupos, eu vou
buscar informações e possivelmente faça uma outra versão deste
texto. Mas, não detalhar isso aqui não traz nenhum problema. O que
devemos entender é que as tradições têm grupos internos que
aglomeram as casas.
Abaixo
desses sub-grupos encontramos uma forma de organizar importante
bastante comum a todas as tradições que são as raízes de Axé,
que são as casas matrizes que organizaram a prática das tradições
no Brasil.
Assim,
explicando melhor, cada tradição, tem um nível de agrupamento em
sub-grupos e abaixo deles tem as casas matrizes e abaixo delas as
casas descendentes. O que não detalharei são esses sub-grupos que
ficam entre a tradição e as casas matrizes.
O
conceito de casa matriz, ou raiz
de axé (àṣẹ́)
ou simplesmente axé
(àṣẹ́), é
importante e bem simples. Em cada tradição existiram um conjunto de
casas matrizes de onde as demais casas derivaram.
Isso
faz parte de um conceito
comum, muito importante, que é o da linhagem e filiação. Esse
conceito é uma
referência à origem
africana e se reflete em tudo, nas pessoas e nas casas. Dessa
maneira, casas seguem uma descendência formal e as pessoas também
seguem uma descendência de uma linhagem do que é chamada família
espiritual.
Esta
característica de família e principalmente linhagem é uma questão
cultural que vem tanto pela raiz Yorùbá como pela raiz Jeje, é
uma parte da cultura do
povo que se reflete na religião. A religião, assim como a vida
deles é (ou era) extremamente familiar, como qualquer religião
reflete valores da sociedade que a criou essas religiões africanas
do golfo da Guiné (ou
Benin, é a mesma coisa).
A
família espiritual substituiu aqui no novo mundo a família
biológica na prática da religião, as pessoas ganharam novos laços
familiares através da religião, de foma que esses novos laços
ganham muita importância na vida das pessoas. Todo mundo descende de
alguém e carrega essa sua descendência para sempre. Nessa religião
as pessoas sempre estão ligadas a uma linhagem e devem a essa
linhagem o respeito às tradições.
Estas
são religiões iniciáticas e pessoas uma vez iniciadas mantêm os
vínculos com seu iniciador para sempre. A iniciação é a entrada
da pessoa em uma linhagem de família espiritual, não é algo que se
compra.
Seguindo
nossa explicação, no
caso da tradição religiosa do Candomblé Ketu encontraremos no
nível de raiz de axé
(àṣẹ́) a
casa do Apo Afonjá, a casa Branca, O Gantois, a casa de Oxumarê e
dezenas de outras tão importantes ou menos importantes mas que são
casas matrizes que
deram origem a outras casas e assim sucessivamente.
Observe
que, normalmente, na tradição no Ketu uma
casa deve estar ligada a uma dessas grandes casas, mas, existem
outras raízes menores que geraram linhagens. O mesmo se repete no
grupo Jeje por exemplo.
Encerrando
a explicação da matriz, já que chegamos às casas, é importante
lembrar que essa organização das casas em linhagens e descendência
é o que determina o formato da prática da religião na casa. É uma
regra nesta religião que a casa siga o entendimento e os ritos
baseados em que tradição ela pertence e qual raiz de axé
(àṣẹ́) ela
pertence. Uma casa não deve a seu bel prazer mudar seus ritos, o
dirigente da casa deve obediência à sua linhagem nesse aspecto.
Assim,
se você for em uma casa do axé
(àṣẹ́) Oxumarê,
deverá encontrar essa casa seguindo as práticas, calendários e
liturgias da casa matriz. É assim que isso funciona.
Dessa
maneira aqueles que entendem o que estou dizendo aqui, acreditem que
abaixo da tradição o que é relevante são as raízes
de axé (àṣẹ́).
Essa classificação é a que tem mais sentido e a que reflete de
fato como as casas se organizam na prática, na vida real. Raiz de
axé (àṣẹ́)
é uma denominação mais real e precisa do que o uso do termo
“nação”. Assim a combinação de Tradição + raiz de axé
(àṣẹ́), no
contexto da matriz religiosa é a melhor representação para a
estrutura das casas.
A
vinculação de uma casa a sua raiz de axé
(àṣẹ́) e tradição
é muito importante, é o fator de identidade religiosa. O
contrário disso são pessoas que se iniciam e abandonam suas
linhagens, trocam de tradições, adicionam iniciadores e relações
com outras raizes de axé
(àṣẹ́). Isso
existe demais e não é o correto na religião. Casas depois de
aberta não trocam de tradição, não trocam de culto e não trocam
de raiz religiosa. Para fazer isso a pessoa deveria começar tudo de
novo, recomeçar toda a sua formação religiosa.
Mas
não é isso o que ocorre. Pessoas trocam suas linhagens e religião
como se tivessem trocando de roupa. Não se ligue a esse tipo de
casa.
Lembro
que o que falei até agora em termos de casas reflete o culto de
Orixá (Òrìṣà) e Vodun. Mas temos os demais cultos da raiz
religiosa Yorùbá.
Para
o caso de Egungun eu desconheço divisões, não tenho essa
informação, mas, certamente estará presente a raiz de axé (àṣẹ́).
Para
o Ifá
brasileiro não
existe divisões ainda,
o que temos aqui são cultos estrangeiros de 2 origens distintas, os
cubanos e os africanos, mas, esses são cultos estrangeiros, eles
não fazem parte da matriz afro-brasileira.
Assim,
hoje em dia, se você quer entender o Ifá deve entender que podemos
ver 3 sub-grupos, o Ifá cubano, o Ifá Nigeriano e já iniciando o
Ifá brasileiro.
Dentro
do Ifá cubano temos o agrupamento em famílias de Ifá que são
similares às raízes de axé
(àṣẹ́), mas os
vínculos são bastante tênues, os cubanos não trazem ou estão
interessados em estabelecer esses vínculos de família espiritual e
para o caso dos nigerianos a coisa deve ser igualmente ruim.
Afora
a baixa qualidade da relação espiritual que existe na tradição
cubana, onde, não existe nem mesmo o conceito de “terreiro” ou
casa espiritual todos esses estrangeiros estão aqui interessados
apenas em ganhar
dinheiro.
O
que fará parte da matriz afro-brasileira será o Ifá brasileiro,
quando ele estiver estabelecido e, para ele se estabelecer como parte
da matriz, vai ter que ser internalizado pelos brasileiros adotando
nossa sociedade e cultura. Não podemos considerar esses cultos
estrangeiros de cubanos e africanos como parte de nossa sociedade e
muito menos como parte da matriz religiosa.
A
matriz religiosa se atualiza com coisas novas e com
a saída das velhas, ela está viva, mas estrangeiros não fazem
parte disso. Pode ser que no futuro tenhamos um Ifá com 2 divisões,
não podemos dizer isso ainda.
Conclusões
Essas
são as explicações necessárias para o entendimento da matriz
religiosa-afro brasileira.
Quando
ela, a matriz é mencionada, normalmente é uma referência ao nível
mais elevado dessa cadeia, a tradição. Muitas vezes é uma
referência também a um dos sub-grupos dentro de uma tradição (o
nível que não detalhei aqui devido à diversidade).
O
que todos devem entender é o que está acima disso e abaixo disso.
Falar de matriz entrando pelo meio, pela tradição ou por um dos
sub-grupos limita muito o entendimento do todo. Claro que o que tem
acima é apenas um agrupamento conceitual mas é importante para
entender o conjunto.
Entender
como se organiza a religião abaixo da tradição evita bastante
confusão, observe que a partir desse ponto a coisa ganha bastante
complexidade porque reflete o que eu disse no início do agrupamento
através dos grupos metaétnicos, lembram?
Sim,
essa foi a razão de eu ter usado muito tempo para abordar isso e
explicar a complexidade criada através desses critérios variáveis
e pouco estruturados de agrupamento. O que ocorre aqui na religião
quando analisamos essa primeira camada de grupos (ou sub-grupos)
dentro de cada tradição é isso, uma confusão de denominações
feitas sem um critério definido ou fixo. Entender as coisas assim é
impossível.
Isso
é a causa dessa confusão toda em torno da matriz religiosa e o
motivo de eu ter isolado essa complexidade nesse nível de sub-grupos
dentro de uma tradição. Dessa maneira, temos um nível hierárquico
de confusão e que não é muito importante, o que é importante é
você chegar à raiz de axé
(àṣẹ́) que é quem
gera as linhagens de casa.
Nesse
momento eu isolo essa confusão assim. Não
é muito ortodoxo mas é prático. Lembro que são muitas tradições
e eu teria que entrar em cada uma delas para entender esses
sub-grupos, assim, prefiro não fazer isso. Minha opção é dizer
que ele existe e que abaixo disso tem as raízes de axé
(àṣẹ́) que é uma
coisa comum a todos.
Finalizando
a matriz religiosa afro-brasileira é isso que expliquei, o resultado
das religiões trazidas do golfo do guiné com a cultura e história
brasileira. A sua variedade é explicada pelos fatores que eu
detalhei.
Lembro
que uma coisa ou melhor
uma casa só esta correta se ela tem uma relação unívoca com essa
hierarquia, assim, não será uma casa correta se tiver relação com
orixá (Òrìṣà) e Umbanda, não será correta se na mesma casa
você tiver orixá (Òrìṣà) e Ifá, ou orixá (Òrìṣà) e
Egungun.
Entender
a casa depois de entender essa estrutura da matriz religiosa
afro-brasileira facilita muito fazer uma avaliação dela. A gente
que está dentro da religião usa esse conhecimento para fazer nossas
avaliações e dizer que uma coisa esta certa ou errada. Um dos
primeiros critérios que a gente usa nas nossas avaliações e
julgamentos é esse posicionamento na matriz.
Como
eu disse relações unívocas e o que é isso. Isso significa que uma
casa somente esta ligada a uma coisa. Ela não pode ser de Ketu e
Jeje, ela não pode ter ligações laterais e ser também de Umbanda
e Ifá, etc…
Isso
é o certo. Em relação aos estrangeiros eles aqui fazem o que
querem.
Os
estrangeiros trouxeram o culto de orixá (Òrìṣà) através da RTY
e da Santeria, trouxeram o seu Ifá, trouxeram, o Palo cubano e
outros, quem sabe. Mas isso ai não é brasileiro, não é parte de
nossa matriz. Isso é estrangeiro, não
nos pertence.
O
que não faz parte da
matriz religiosa
afro-brasileira
Tudo
aqui é bem conceitual, claro, mas, classificar alguma coisa de
religião de matriz africana é um erro bem comum e idiota.
Primeiro
chamar de matriz africana é burrice, a matriz é afro-brasileira,
união da religião africana com a cultura brasileira. Essa é a
primeira negação que faço, não use isso.
Vamos
a outros comentários adicionais no sentido de estabelecer umas
negações.
Fazendo
referência ao que vi na internet, eles ERRADAMENTE relacionam os
seguintes cultos aos Bantus:
- Candomblé de Caboclo
- Xambá
- Catimbó
- Pajelança
- Toré
- Umbanda
- Cabula
- terecô
- Quimbanda
- Quiumbanda
- Omolokô
- Terecô
- Candomblé de angola
Essa
lista ai é um absurdo, eles basicamente não conseguem relacionar a
Jeje e Yorùbá e ai ligam aos Bantus.
Vamos
la, Candomblé de Caboclo já está extinto, não era Candomblé e
não tinha vínculo com Orixá (Òrìṣà), não tinha ritos de
Candomblé. Era um culto precursor da Umbanda, os guias eram caboclos
e estes acabaram se localizando na Umbanda mesmo. Ele lidava com o
que se chama de “encantados” espíritos do Brasil.
O
Xambá estava associado a uma casa em Pernanbuco, de Maria de Oyá.
Era derivado do Ketu, se estabeleceu no Recife e em um período muito
conturbado da história da religião afro-brasileira, primeira metade
do século XX, a casa se fundiu com caraterísticas regionais e se
distanciou de sua origem.
Isso
é comum nas casas, o dirigente se inicia mas perde contato com a
raiz e acaba fazendo a sua. Apesar de o Xambá, ser chamado de
“nação”, sua história mostra que isso foi posterior a criação
de sua casa matriz, mas a sua regionalização traz características
de uma tradição. Contudo o Xambá acabou e pode também se
enquadrar facilmente como uma raiz de axé (àṣẹ́) sob o ponto de
vista de religião.
O
Efon é outro caso desse, ganhou o status de “nação” mas é uma
descendência de uma casa e como no Xambá o título nação bem
posterior. Creio que o Xambá tem muito mais característica de uma
tradição do que o Efon.
O
Terecô é uma variação do tambor da mina, que se originou na
região de Codó no Maranhão e era uma mistura do tambor com o culto
dos encantados. Vi alguns trabalhos sobre ele e virou tudo Umbanda
misturada com Tambor. Sob o ponto de vista de religião não tem
relevância isolada ou identidade, tanto que foi apenas uma onda que
passou.
O
Cabula era da Bahia, era um culto de misturava muitas coisas, tantas que é até
difícil explicar. Acabou sendo absorvida pela Umbanda.
Quimbanda
e quiumbanda são a mesma coisa, é tudo macumba bantu que acabou, a
Umbanda absorveu.
O
omolokô, no Rio de Janeiro, era uma mistura de Umbanda e Candomblé, uma coisa criada e
sem origem histórica e por isso mesmo, como eu disse acabou. A pessoa tinha uma origem na quimbanda Bantu mas queria fazer qualquer coisa que tivesse vontade, no Rio virou sinônimo de bagunça, apesar de uns poucos defenderem como uma coisa original. Acabou porque ninguém quer ser chamado de omolokô, o Candomblé de Angola assumiu a maluquice.
Por
fim, tenho que mencionar o conhecido Candomblé de Angola. O Candomblé
de Angola foi uma invenção dos Bantus aqui no Brasil do fim do
século XIX. Eles viam os Candomblé de Ketu e Jeje e não tinham
nada equivalente, assim inventaram o Candomblé deles copiando o que
os outros faziam, inventando divindades e usando a língua deles. Certamente a origem foram os calundus. Hoje
em dia ele substituiu o Omolokô no show de horrores que fazem com a
religião afro-brasileira misturada com Umbanda.
O
Catimbó, Pajelança, Toré e Jarê são cultos ameríndios brasileiros,
altamente influenciados pelo catolicismo e sem qualquer vínculo com a
África.
A
Umbanda é uma religião brasileira, ela não faz parte do
contexto afro-brasileiro. Essa não é apenas uma afirmação minha é
a história da Umbanda que mostra isso e qualquer pessoa que conheça
o assunto sabe disso.
A
Umbanda é altamente sincrética e com o passar de muitos anos ela
absorveu alguns cultos afros que acabaram desaparecendo. Todo o grupo
Bantu que promovia a Quimbanda ou a Macumba acabou, sua prática foi
superada pela Umbanda.
Esse
grupo Bantu, de prática religiosa bem pobre e objetiva voltada para
a troca de favores e mercantilização desta atividade eram os
feiticeiros. Uma parte se travestiu de culto de Orixá (Òrìṣà) e
virou o Omolokô. Outro, a maioria se transformou em casas de
Umbanda, assim se autodeclarando.
Foi
esse grupo que ao ser duramente digerido pela Umbanda trouxe a
africanização do formato da Umbanda e essa africanização estética
faz as pessoas pensarem que a Umbanda seja parte do contexto
afro-brasileiro. Não é, mesmo tendo incorporado alguns elementos
africanos, como os tambores, a Umbanda é um culto e religião
distinta e brasileira.
As
pessoas têm o mau hábito de associar tudo o que não faz parte do
grupo do golfo do Benin como sendo Bantu e isso é bobagem.
Na
wikipedia encontramos referência a outras cultos como sendo
afro-brasileiros:
- Encantaria
- Jurema de terreiros
- Jurema sagrada
Encantaria,
jurema de terreiro e jurema sagrada, são sinônimos para a mesma
coisa é tudo Catimbó.
A
minha lista de custos ameríndios é:
- Catimbó
- Toré
- Jarê
Todos
eles trabalham com encantados, são altamente sincretizados com o
catolicismos, tem traços de espiritismo kardecista e alegorias
irrelevantes de cultos africanos.
Eu
não conheço a citada pajelança, para mim isso é um ritual e não
um culto.
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