O aborto provocado e a religião Yorùbá
Introdução – A ética da sociedade e a religião
A
religião não muda o mundo onde vivemos. A religião não muda a
vida que vivemos, não no sentido literal ou prático, ter uma
religião não vai fazer ninguém estar imune a viver, sofrer, ser
feliz, amar, se ferir, se decepcionar, morrer e tudo o mais que faz
parte da vida.
Você
vai ficar doente, vai precisar de um médico e não de um padre ou
pastor. Ter religião não muda os fatos da vida e a sua realidade.
A
religião trabalha com o ser, com sua alma e coração para que ele
tenha uma dimensão estendida de sua existência. Ela traz à pessoa
uma forma complementar de ver a vida, costumamos dizer uma forma
maior, porque coloca a nossa vida em um contexto maior, além da
existência individual e coletiva.
O
cientista é a pessoa que lida com a natureza das coisas, ele
trabalha para fazer coisas melhores, é a pessoa que lida em termos
melhores objetos, vivermos melhor com eles.
Um
sacerdote não é um cientista e não concorre com ele. Um sacerdote
é voltado para as pessoas, para ajudar a sermos pessoas melhores.
Este é o objetivo da religião, nos fazer pessoas melhores.
Toda
a religião estabelece uma forma alternativa de ver o mundo, ou
melhor, vamos usar a expressão: uma forma complementar; porque ela
não substitui a nossa vida comum, a nossa vida em sociedade e suas
regras. Ela complementa isso, trazendo para as pessoas valores que
ela deve ter e, também, buscar que essa pessoa dê o melhor de si
para a sua vida pessoal, família e sociedade.
Essa
visão estendida pode em alguns casos colocar a pessoa em posição
antagônica com uma parte da própria sociedade em que vive, por
exemplo ao lidar com questões morais, uma vez que a religião pode
estabelecer valores diferentes para a pessoa ver o mundo do que uma
parte da sociedade deseja estabelecer com consenso.
Leis
e regras são isso, um consenso da sociedade para equilibrar suas
próprias relações, trazendo o que chamamos de civilização. Elas
são muito importantes e garantiram uma vida comum em sociedade.
A
sociedade pode se adaptar, com o tempo, ao desejo das pessoas e às
mudanças de comportamento e do entendimento do que seja um
comportamento adequado ou tolerável, mas, essas mudanças e o novo
comportamento podem não fazer parte da ética e moral que a religião
(qualquer uma delas) recomenda para as pessoas. Veja não se trata de
ser conservador, trata-se de lidar com valores distintos.
A
sociedade é composta de muitas pessoas, todas elas têm seus
próprios objetivos de vida e visão do que seja bom para elas e por
conseguinte podem querer adaptar a sociedade a essa visão pessoal.
As
pessoas dizem que as religiões devem se adaptar, e modernizar, mas,
ignoram que elas fazem isso o tempo todo. As pessoas não entendem é
que, modernizar, não significa abrir mão valores atemporais para um
bom ser humano, para uma boa humanidade.
As
religiões não são retrógradas. O problema é que pessoas são
fracas, inseguras, incapazes e sem estima. Elas tomam rumos de
decisões que não conseguem sustentar consigo mesmas e recorrem a
religião para forçar estas a justificar aquilo que elas mesmos não
tem capacidade de fazer sozinhas.
A
religião tem outras prioridades o bem-estar do ser humano esta cima
de vaidades. Como eu disse, a religião está ficada no indivíduo.
Dessa
forma, consequentemente, existem muitas zonas de conflito entre a
religião e as pessoas que não tem fé.
Existem
inúmeras questões sociais que variam de religião para religião,
uma vez que, as religiões, são diferentes em seu conjunto de
valores. Não deve haver nenhuma surpresa, nisso. Cada religião é
criada de acordo com a sociedade que a originou e dessa forma inclui
os valores dessa sociedade. Ao ser exportada para outra sociedade
terá maiores ou menores zonas de conflito com os valores da
sociedade civil que a recebe.
Algumas
pessoas entendem que a religião contêm a cultura da sociedade que a
gerou e por isso mesmo não aceitam religiões universais.
O
que ocorre normalmente em uma religião, é o processo da
especialização, ou seja, da criação de uma nova “tradição
religiosa” que é justamente a adaptação da religião a nova
sociedade, cultura e história. Uma nova tradição religiosa de uma
religião existente não é uma coisa ruim ou menor, pelo contrário,
é justamente o ajuste da religião aos valores da sociedade local. A
religião original não será melhor que a tradição religiosa, elas
estão em contextos sociais diferentes.
Uma
tradição religiosa é uma manifestação maior e melhor. Ruim é
querer usar a religião de uma sociedade em outra sem ajustes.
Isso,
que estou comentando, é distinto da formação de uma seita, que é
a formação de uma nova visão teológica de uma mesma religião.
O
candomblé, representa essa visão de tradição religiosa de que
melhora e adapta a religião original.
Desta
maneira, uma religião evolui e melhora com o tempo, se adaptando a
sociedade, porém existem valores que jamais serão abandonados
porque fazem parte do que a religião entender para a formação de
pessoas melhores.
As
pessoas poderão viajar em carros voadores ou em mundos virtuais,
novos e melhores objetos, mas as religiões ainda pregarão os mesmos
valores humanos.
A questão social do aborto
A
questão do aborto como muitas outras se insere nesse aspecto de
conflito de valores entre religião e sociedade laica.
Por
um lado a sociedade civil, recentemente, entende que, de uma forma
pragmática, é necessário suportar essa prática como um caso de
saúde pública, para preservar a vida das mulheres que decidem
abortar. É uma visão muito pragmática mesmo, porque ela se abstêm
de avaliar o mérito do ato em si, busca-se mitigar os riscos de ter
mais mortes do que necessário de forma que ao legalizar a realização
de aborto a sociedade esta buscando minimizar o dano.
Outras
pessoas, adicionalmente, entendem que não é somente uma questão de
saúde pública e que a decisão de abortar faz parte da liberdade
fundamental da mulher e ela tem que ter essa capacidade de decidir
sobre si mesma.
A
sociedade civil pode, a qualquer momento discutir o mérito desta
questão, sob o ponto de vista de direitos individuais, direito à
vida ou direito de matar, não importa, a sociedade pode em algum
momento querer decidir sobre isso.
Em
adição, a iniciativa da sociedade civil deliberar sobre o assunto,
as religiões podem, em todo o seu direito, nesse momento, trazer
para as pessoas que vão decidir, seus valores sobre o tema. É neste
momento que a religião deixa de ser um instrumento pessoal e se
torna um instrumento da sociedade e é nesse tipo de caso que os
valores adicionais que a religião traz para as pessoas podem
conflitar com mudanças na ética que a sociedade civil busca.
É
incorreto taxar a religião de reacionária e conservadora. A
religião é o que ela é. Seus valores são definidos e sua ética
também. A sociedade, ou parte dela, pode querer mudar sua ética,
mas a religião não tem compromisso com esse movimento. Não se pode
obrigar a religião a se adaptar a sociedade ou a uma parte dela,
dessa forma. Valores são valores.
A
sociedade laica tem o direito de se manifestar, assim como a
sociedade espiritualizada (religiosa) também tem e, as religiões
como um todo, tem toda propriedade de influenciarem quem as seguem.
Não cabe a sociedade laica se insurgir contra as religiões, cabe a
sociedade laica discutir com a sociedade espiritualizada.
Igualmente
não se pode criticar que, pessoas que são influenciadas pelos
valores das religiões, se manifestem defendendo essa posição para
elas e para outras. É assim que a sociedade funciona, os grupos
majoritários definem as regras gerais. Não existe ditadura de
minorias.
No
caso do aborto todos conhecem a posição da religião cristã em
geral, que se posiciona contra isso e, com sua influência sobre a
sociedade, busca evitar que isso seja uma prática corrente. Como eu
defendi, essa á uma prática coerente e moral.
Enquanto
zeladora dos valores, ética e moral da sociedade humana como um
todo, a religião pode entender que, uma posição flexibilizadora,
seja nociva a médio e longo prazo para o conjunto das pessoas e,
dessa forma, ela pode se levantar contra um tema social comum,
fazendo isso no melhor entendimento do seu papel de fazer homens
melhores e uma sociedade melhor para ela mesma.
Mas,
a posição mais importante, é o que ela traz para as pessoas que a
seguem, isso sim é relevante, a forma como individualmente cada
pessoa passa a adotar a visão ética e moral de fazer o aborto.
A teologia e a religião Yorùbá
Dito
isso vem a questão: Como a religião Yorùbá se posiciona sobre o
assunto? Qual orientação ela traz para as pessoas que a seguem?
Primeiro,
isso é importante? - SIM
Como
disse na minha longa introdução, esse é o papel da religião,
trazer uma visão estendida para a vida e a sociedade, trazer valores
perenes e importantes para a pessoa e o relacionamento comunal. Uma
pessoa religiosa acredita em sua religião, tem fé no divino e dessa
forma busca a orientação para que possa viver em harmonia e com uma
vida útil à sociedade.
Discutir
temas teológicos nunca foi a prática do Candomblé. Falta
conhecimento aos sacerdotes, falta um pouco de formação para isso
e, principalmente, falta ,muita prática e habito para eles. A partir
da década de 1990, gradualmente a religião por trás do Candomblé
passou a se tornar melhor conhecida na sociedade e com isso,
esparsamente, alguns temas passaram a ser tratados.
Historicamente
observo que a falta de conhecimento da religião nunca foi obstáculo
para os sacerdotes se pronunciarem como tais, o que eles faziam e
ainda fazem, é, quando não tem o que falar basead em sua religião,
emprestam, quando interessa, os valores e ética de outras religiões,
assim, o catolicismo e a espiritismo sempre foram fontes para
sacerdotes de candomblé, falsamente, se pronunciarem.
Mas
isso era sempre de forma conveniente, quando precisam ser iluminados
eles recorriam aos valores dessas religiões, quando não
interessavam eles inventavam coisas convenientes. Assim, o pecado e o
comportamento ético dessas religiões nunca interessou, nesse
momento eles não tem pecados, porque esses sacerdotes são acima de
tudo vendedores de feitiços e favores.
Essa
atitude seletiva e idiota fez surgir, com motivo, a posição de que
esta é uma religião sem ética, sem pecado, onde tudo pode. É
verdade que esse é o conceito comum, mas não é verdade que a
religião seja assim pelo contrário, é uma religião repleta de
ética.
A
chegada no Brasil de Babalawos não mudou muito esse cenário. Era de
se esperar que mudasse uma vez que, Ifá, deveria trazer as bases da
religião em seus versos de Odu. Não estou inventando nada, os
próprios sacerdotes falavam isso, que a teologia estava em Ifá e na
tradição oral.
Ledo
engano.
Os
Babalawo de origem cubana não tem nenhum conhecimento teológico,
são bem piores que os nossos babalorixás, eles fazem um Ifá
objetivo, voltado a interpretações pré-estabelecidas e orientado
para fazer ebós, oferendas e distribuir assentamentos e iniciações.
É uma prática comercial, voltada para resolver problemas, baseada
em um culto de Orixá bastante limitado e com uma base de estórias
associadas a Odu criadas por eles mesmos (Pataki). Em nada eles
refletem a base da religião e dessa forma não contribuíram com
nada.
Os
Babalawo africanos tem como base os versos de Odu, de fato, e o
conhecimento oral-regional da religião, também de fato, que
complementa os versos, mas, a qualidade humana que vem para o Brasil
é muito ruim. Qualquer pessoa criteriosa pode questionar se são
Babalawo de fato e não muçulmanos fingindo ser Babalawo, como já
temos aqui desde a década de 90.
Essas
pessoas teriam a seu favor o conhecimento base da religião, contudo,
aliam, pouca capacidade para isso, nenhum interesse por esses temas,
uma fala repleta de dogmas, ganância comercial, mal formação e
pouco entendimento do que seja religião. Eles são piores que os
cubanos, porque os primeiros são o que são, eles não inventam,
eles fazem aqui o que fazem em qualquer lugar. Aos africanos falta
honestidade e caráter.
E
dai?
E
daí que, para tratar desses temas teológicos, a presença de Ifá
através de seus Babalawo não adiantou de nada, em nada melhorou o
nosso problema anterior.
Ficamos,
dessa forma, como já fazíamos antes deles, pesquisadores e
antropólogos se debruçam sobre os temas e fazem suas teses. O que
mudou para melhor é que a partir do fim da década de 90, junto com
os antropólogos, que são por demais acadêmicos e por de menos
religiosos, surgem pesquisadores mais ligados a religião que não
tem a, teórica, isenção dos antropólogos, mas, trazem os temas
com viés religioso. Tivemos e temos excelentes pesquisadores e
alguns teólogos que incrivelmente acabaram se convertendo, deixando
de lado sua isenção acadêmica.
Hoje
em dia estamos muito melhores do que antes. Tem muito mais informação
disponível para todos.
É
importante, também, separar o conhecimento teológico, que deve ser
formado pelos versos, sim, mas, principalmente pelo histórico e
tradição oral deste conhecimento dos versos de Ifá são
absolutamente situacionais e servem apenas para consultas pessoais.
Ifá
não é ou tem uma “bíblia”. Cada Odu diz uma coisa para uma
situação. É impossível querer usar as mensagens dos Odu,
generalizadamente, como conhecimento absoluto porque para cada caso a
indicação pode ser distinta. Odu serve a uma consulta específica,
apesar de, é claro, existirem o que eu chamo de versos estruturais,
que são os que trazem uma fundamentação teológica.
Não
se pode citar o que um Odù diz sobre algo para justificar alguma
posição porque Odù não serve como uma bíblia que você pode
abrir em qualquer lugar e ler uma passagem com sendo um ensinamento e
um posicionamento da religião. Não podemos fazer como na igreja
onde é feita uma leitura de um trecho da bíblia e o padre faz sua
homilia sobre aquele tema. Versos de Odù não formam uma bíblia,
eles não tem essa utilidade.
Os
versos de Odù são recomendações para situações diversas, em uma
você deve fazer algo em outra não deve fazer. É isso.
Para
se aprofundar na teologia Yorùbá, você tem que se interessar pelas
obras que pesquisam a religião. São livros sobre Ifá, sobre
Orixás, sobre arte, sobre cultos, sobre festivais, sobre história e
até sobre a religião em si. No conjunto desse material você coleta
as peças que precisa para entender a teologia e cosmogonia.
É
dificil? Sim, mas esse é o caminho.
Apesar
de eu ter dito que a re-introdução de Ifá no Brasil não melhorou
muito a religião, é inegável que a presença de Ifá no Brasil
trouxe um contexto adicional à religião, trouxe mais conteúdo.
Acima de tudo, trouxe um conteúdo formal que os Babalorixás não se
preocupavam em ter e, a unificação do conhecimento comum de Ifá
através dos Babalawo, limitou bastante o festival de besteiras que
os Babalorixás falavam.
Creio
que o espalhamento de Ifá valorizou o conhecimento formal dos nossos
próprios pesquisadores. De certa forma acabou com a autonomia dos
Babalorixá que saiam falando o que queiram sem ter ninguém para
contestar.
É
nesse contexto que eu trago aqui o tema do aborto. O que essa
religião transmite sobre isso, que orientação ela dá as pessoas,
que conforto pessoal ela pode oferecer parta quem faceia uma decisão
a ser tomada?
A religião Yorùbá e o aborto
Inicio
dizendo que o que vou escrever trata-se de resultado de análise
minha. O tema aborto provocado não faz parte de nenhuma história,
não pude encontrar na religião Yorùbá, seja em versos de Odu,
seja em mitos orais como em análises de pesquisadores, qualquer tipo
de referência a prática de aborto ou similar que pudesse ser usada
em uma correlação direta.
O
tema aborto provocado, não aparece em nenhuma referência,
boa ou ruim, que possa ser usada para explicar como a religião lida
com isso.
Isso
me parece natural, duvido que os católicos encontrem qualquer
referência direta a isso, de forma que a posição da igreja é
resultado de análise ou interpretação teológica.
Assim,
o que vou traduzir aqui é o meu entendimento dos valores da religião
sobre esse assunto.
A
minha análise que mostra uma visão tolerante, por parte da
religião, já me deu bastante trabalho porque não é normal ninguém
aceitar uma posição diferente da religião cristã.
O
que todos precisam saber é que o aborto não é desconhecido da
religião Yorùbá, pelo contrário ele é bem citado.
Abortos
ocorrem por causas naturais, doenças, mal formações e
deficiências. A primeira informação importante é que não existe
garantia de que a vida no Aiye ( o mundo natural) seja imune a
acidentes, incidentes, doenças e outros males.
Os
Ajogun são os as divindades negativas que existem no mundo, são os
espíritos que causam a morte, a doença, a paralisia, a perda, a
fome e outras coisas. Na cosmogonia Yorùbá os Ajogun ficam à
esquerda e são entidades do mal apenas.
Observe
que não existe na religião Yorùbá o conceito do diabo, de
lúcifer, isso é uma criação cristã, não um existe uma divindade
que faz oposição a deus, Olodumare, ele é absoluto e tudo é sua
criação.
Dessa
maneira a vida no Aiye (no mundo físico, mundo natural), está
sujeita a “chuvas e tempestades”, não existe na religião
nenhuma garantia que teremos o paraíso na nossa vida na terra e
muito menos que existe um ser causador do mal em oposição a deus.
O
mal existe no mundo de forma geral, existe desde que foi criado. Não
existe nesta religião o enorme conflito teológico entre o bem e o
mal, com deus representando o bem e o mal a oposição a ele. O mal
existe em diversas formas naturais e supernaturais.
Não
temos também grupos especialmente escolhidos, Olodumare é o deus de
tudo, da humanidade, dos animais e plantas, tudo é criação dele e
é ele que mantêm tudo funcionando.
O
que Deus faz é dar proteção e correção aos problemas e danos que
a humanidade pode sofrer através do mal, criando para nós a
proteção dos Orixá, de Egungun e o Oráculo de Ifá para ajudar em
nossa vida.
A
vida, acima de tudo, é uma aventura imperfeita e que pode ser
vivida mais de uma vez. Ela é cheia de emoções, alegrias,
decepções, sabores e prazeres, contudo, sujeita a riscos contínuos.
A
religião é reencarnacionista, vivemos mais de uma vez, o problema
em uma vida é compensado por uma nova vinda ao Aiye, não existe a
preocupação, na visão desta religião, que cerca uma vida única.
Esse ponto é importante e vou voltar nele mais à frente.
Não
existe também na religião a garantia de que vamos nascer em corpos
perfeitos e saudáveis, pelo contrário, existe uma explicação
teológica e tolerância divina para que nem sempre os nascimentos
sejam perfeitos, o corpo é resultado de um processo de criação
sujeito a falhas probabilísticas (aleatórias), causadas pelas
divindades criadoras.
O
processo de ganhar um corpo é sujeito a falhas que podem dificultar
nossa vida em diversos aspectos. Alguns deles a religião ajuda a
corrigir, em outros não.
Estes
dos conceitos são importantes, não existe para ninguém a imunidade
a problemas físicos e também ao mal.
Ao
lado das causas naturais existem também as causas supernaturais,
geradas em sua maioria pelas Ajé e em menor parte pelos espíritos
Abikú. Ajé e Abikú representam as causas supernaturais mais comuns
de abortos e, apesar de trazerem o mal e o infortúnio, também são
criações de Olodumare, deus e não existe nenhum tipo de
preocupação de Olodumare em cessar sua existência.
Abiku
– aquele que nasce para morrer - são um tipo de espírito que faz
parte do grupo maior chamado Egbe Orun (a irmandade do Orun). Esses
espíritos infantis são um objeto muito interessante de estudo,
muito mais do que hoje é feito. Esses espíritos infantis vivem em
um espaço entre o Orun (o espaço divino) e o Aiye ( espaço
terrestre, onde vivemos), uma floresta divina junto com outros
espíritos infantis formando uma comunidade unida mas desgarrada das
linhagens familiares.
Por
mecanismos pouco claros (indefinidos na religião) esses espíritos
escolhem encarnar, viver no Aiye e, dessa forma, nascem, mas, trazem
consigo vários problemas omo desajustes e distrações. O mais sério
deles é o espírito Abikú, a criança de nasce para morrer logo a
seguir, trazendo, dessa maneira, infelicidade para a família onde
eles escolheram nascer.
O
carrego de Abikú, como dito no Candomblé, esta associado a mãe e
traz muita tristeza e sofrimento. O Abiku pode morrer na gestação,
pode morrer no parto ou pode morrer ainda criança (doença ou
acidente), somente através de Ifá (possivelmente através do
merindinlogun também) pode se determinar essa ocorrência e, em
função disso, tentar trabalhar para que isso não ocorra e evitar
que a criança morra.
Outros
casos de Egbe Orun não estão associados a Abikú, mas, as crianças
que nascem desajustadas a vida no Aiye e, devido a isso, enfrentarão
dificuldades para levar a vida no Aiye de forma normal. Esses casos
são os mais interessantes visto que são os mais numerosos e isso se
refletirá cronicamente na vida adulta dessas pessoas.
Desta
forma, Abikú é responsável por abortos, mas não é sua única
forma de agir. Além disso, não é o maior responsável por
problemas na gravidez. Primeiro vem as causas naturais e depois vem
Ajé.
Infelizmente,
no Candomblé, criou-se o mito que Abikú seria o maior responsável
por mortes de criança e abortos. Não é verdade, isso foi falta de
real conhecimento da religião.
Ajé,
é a denominação de um espírito que é traduzido como bruxas ou
feiticeiras. Outros nomes são empregados como Iyami Osoronga ou Odu,
mítica esposa de Orunmila.
Ajé
sempre está encolerizada com a humanidade e é um espírito
relativamente maligno, apesar de ser entendido com um espírito
neutro, que pode fazer o mal ou o bem. Este espírito é o maior
responsável pelos diversos problemas e males que afligem as pessoas.
Quem
é de Candomblé já deve ter ouvido falar de Ajé ou de Iyami
Osorongá. O melhor material e mais completo sobre esses espíritos é
do Pierre Verger, existem outras fontes que o complementam, mas foi
Pierre Verger que elaborou o melhor e, apesar de ser antigo, nada
surgiu de melhor depois.
Eu
não discorrerei sobre Ajé aqui, não é a finalidade deste texto. O
importante é que entendam que, existe um espírito maligno chamado
Ajé e que é responsável diretamente pela maior parte dos problemas
de aborto natural que as mulheres sofrem.
No
Candomblé no passado e ainda hoje, existe uma excessiva associação
de abortos e mortes a Abikú, mas, isso não é correto. Ajé é quem
deve ser responsabilizada, contudo a figura de Ajé é principalmente
citada, mas não totalmente conhecida pelo Candomblé. O Candomblé
tem um problema que é conhecer de maneira geral quase todos os
espíritos da religião, mas, não ter formula ou liturgia para
neutralizar os problemas que eles causam.
Não
posso deixar de comentar que existem alguns idiotas brasileiros ou
africanos que enganam pessoas vendendo iniciações e assentamentos
de Ajé, passando a mensagem de que são senhoras velhas e
respeitáveis. Essas pessoas são levianas.
Dessa
maneira, minha informação para vocês é que esses espíritos, Ajé
e Abiku, são responsabilizados na religião pela morte de fetos e
crianças recém-nascidas. São causas supernaturais de problemas
naturais.
Mas,
atenção, como já disse, o aborto natural não deve ser unicamente
atribuído a esses espíritos e muito menos, a religião Yorùbá,
associa qualquer fenômeno no mundo natural a interseção de um
espírito (como pode ocorrer em cultos lúdicos).
Ajé
é considerada um espírito neutro, que pode fazer o bem ou o mal,
apesar de estar sempre encolerizada contra a humanidade Ajé é uma
forma neutra. Os Abikú não são um espírito negativo como os
Ajogun, mas podem trazer a dor e o infortúnio para mulheres e
famílias.
Finalizo
aqui com esse resumo:
- O aborto natural ocorre e é causado por doenças ou deficiências físicas inerentes à pessoa. Isso é normal, não existe garantia que tudo seja perfeito na vida no aiye e nem nos corpos que temos.
- As Ajé são as responsáveis pela maior parte das causas supernaturais de abortos.
- Os Abikú também são responsáveis em bem menor número pelos abortos.
- Os Ajugun também são responsáveis por problemas.
Todos
esses espíritos, neutros ou do mal são criações de Olodumare,
deus, que os tolera como parte do Aiye. Dessa forma a morte por
aborto não é um tema desconhecido da religião.
O nascimento do indivíduo
Existe um ponto importante para ser discutido que é o momento em que o indivíduo nasce. De acordo com os valores e o entendimento cristão, que domina a sociedade, a partir do momento em que existe a concepção o novo indivíduo nasce e fica no ventre da mãe.
Nesse entendimento o novo nascido fica 9 meses dentro daquela barriga, até nascer.
Não vejo esse como o entendimento da religião Yorùbá para esse processo.
Esse é um dos pontos que a religião conflita com a ciência e com outras religiões e tenho certeza que é o ponto mais polêmico da minha análise.
Lembro que a religião sempre oferece um entendimento alternativo ou complementar a ciência e nem sempre conflita com esta, é apenas uma outra visão, a do processo supernatural.
Indo direto ao ponto do meu entendimento, baseado em fontes esparsas (que não consigo compilar agora para citar sem transformar esse texto em um longo e monótono texto) e tradição oral (conversa com outras pessoas sobre esse tema) é que o espírito que vai nascer não passa toda a gestação dentro do corpo da mulher, o novo espírito vai para la antes de nascer.
O mito da criação do homem por Oxala, diz que a missão de criar os corpos humanos foi dada por Olodumare a Oxala e que este é quem molda o corpo humano a partir do barro fundamental. Esse é um processo que toma um tempo assim como toma tempo a gestação. Esse processo de criação pode ter falhas, é reconhecido no mito que Oxalá comete erros na criação do corpo humano e quem nasce com defeitos físicos passa a ser diretamente protegido por ele. Os mitos não deixam dúvida que pertence a Oxalá a tarefa de elaborar o corpo.
Posteriormente, através da interferência da própria pessoa que vai nascer naquele corpo, junto a uma outra divindade chamada Ajalá, ele obtêm a sua “cabeça”, chamada de Ori inu, ou cabeça interior, cujo conceito é muito mais do que apenas uma cabeça.
Existe, na religião, a diferenciação da cabeça interior, Ori inu, da cabeça exterior, Ori ode e do corpo, chamado de Ori apere, ou sustentáculo do Ori. À cabeça é dada a maior importância no indivíduo, é a sua parte mais alta, mais próxima do Orun.
Orí é um conceito amplo e vamos ter que restringir sua abordagem aqui neste texto. Entendam que o Orí inu, a cabeça, traz o indivíduo em sí, traz as ferramentas que essa pessoa recebe de Olodumare para ter sucesso na vida que pediu a ele e traz também a ligação com seu Orixá e com sua linhagem (através do Apori). Ori Inu une o contexto passado com o futuro.
Esta área, Ori e destino, é bem complexa e, até mesmo, confusa da teologia, mas, sem complicar, posso citar que existem mitos que explicam que as pessoas antes nasciam sem cabeça e depois ganharam a cabeça, que nasciam sem face (todas iguais) e depois ganharam a face, tudo isso gradativamente através da intersecção de diversas divindades, explicando assim, através dessas metáforas, a evolução e os vínculos das pessoas com essas divindades.
Após a escolha do Orí inu, é uma missão muito importante e deve contar com a ajuda de outros parentes no Orun (mundo espiritual). Na verdade existe pela religião, solidamente documentado em Ifá em na tradição oral, um importante processo litúrgico que deve ser feito no Orun pela pessoa que vai nascer novamente. Esse processo é para garantir o seu sucesso na vida.
A pessoa antes de nascer vai a Olodumare, deus, para combinar com ele os seus objetivos nessa vida, nesta encarnação. É deus que concorda com seus objetivos e pode adicionar mais alguns (existem 3 tipos de objetivos, ou destinos, que a pessoa recebe), dando a pessoa os instrumentos divinos para realizar o que ela se propôs.
Por fim, está muito bem documentado em um mito, que é Olodumare o único que pode dar a vida a uma pessoa. Depois que Oxalá criou o corpo e ele já está com o Orí inu, a cabeça, que foi obtida junto a Ajalá, é Olodumare quem dá o sopro divino, o Emi, que é nossa respiração e vida e, com isso, nos dá o seu axé, a centelha divina que somente Olodumare pode dar e que cada um ser vivo tem.
Não posso deixar de mencionar que existe ainda uma jornada entre o Orun e o Aiye que é feita por quem vai nascer e que a última etapa é passar pelo portão do Orun, momento em que somos interpelados por uma divindade chamada Onibode, o porteiro do Orun e do Aiye. Nesse momento nós falamos com Onibode como será nossa vida e quando vamos retornar naturalmente ao Orun (quando morreremos).
Sem poder aqui explorar esse conjunto muito interessante de mitos que explicam de forma bastante harmônica e suave a integração da visão supernatural com a própria visão natural (real) da vida, eu tenho que destacar que:
• É claro o trabalho independente de Oxalá na criação do corpo.
• É cristalino que a cabeça, Ori Inu, é uma parte importante do processo pré-natal no Orun e é escolhida em separado do corpo.
• Que existe uma jornada entre o Orun e o aiye.
• Somente olodumare nos dá a vida, através do seu sopro.
Dessa maneira, prestem atenção na minha interpretação e afirmações:
• A formação do corpo é um processo separado e sujeito a falhas, mas o copo é um receptáculo vazio sem o Ori inu (cabeça interior) e sem o Emi, o sopro de vida de Olodumare.
• A cabeça interior (a que contêm de fato a essência do indivíduo) é escolhida à parte da criação do corpo físico e é um, processo separado e especial.
• O processo de escolha dos objetivos de vida (destino) e da sua capacidade para isso é separado do processo de criar o corpo, na verdade não tem nenhuma relação.
• O indivíduo somente nasce de fato quando recebe o Emi de Olodumare, o sopro da vida.
O corpo que está sendo gerido vagarosamente ao longo dos 9 meses é apenas um corpo mesmo. Enquanto gerido no útero não existe individualidade o corpo vai sendo construído por Oxala e na verdade é parte do corpo da mãe.
No fim do processo, com o corpo formado, o indivíduo entra no corpo formado (fim da jornada) trazendo a sua essência (Ori inu). Quando ele nasce, recebe o sopro da vida de olodumare e ai passa a ser um indivíduo independente.
Desta forma, de acordo com essa visão abortar um corpo não formado e não nascido, no início de gravidez afeta apenas a mãe, não existe indivíduo e nem vida autônoma.Quando o recém-nascido respira pela primeira vez, ele se transforma no indivíduo independente do corpo da mãe.
A ligação do aborto provocado com Abikú
Reforçando essa posição de que o ato do aborto afeta apenas a mãe, é uma tradição oral no Candomblé, associar casos de abortos posteriores como tendo origem em um aborto inicial, assim uma mãe que aborta pode trazer para si o que se chama de carrego de Abikú e passa a ser assombrada por esses espíritos.
Apesar de eu afirmar, baseado em pesquisas, que a maior parte dos problemas de aborto é provocada por ajé e não por Abikú, sem dúvida a ocorrência de uma aborto pode trazer para a mulher o carrego de Abikú.
Repito, nem tudo que é dito ser Abikú é Abikú, mas eles de fato ocorrem e de fato podem estar associados a esse tipo de ato.
Isso reforça, como eu disse, a afirmação anterior de que fazer o aborto é uma questão da mãe e que ela não matará ninguém, ela impede que alguém que nasceria, nasça desta vez, é um ato dela assim como as consequências são dela e não de quem ia nascer.
Não estou afirmando que esse carrego de abikú ocorra sempre, mas pode sim ocorrer. Quando isso ocorre existem instrumentos na religião para se lidar com isso.
Neste ponto cabe uma diferenciação importante entre a religião Yorùbá e a religião cristã.A religião cristã é baseada em uma dicotomia que divide o mundo entre o bem e o mal. As coisas são governadas por deus ou pelo diabo. Com este conceito infantil de mundo e religião, os europeus, conquistaram os povos e os converteram ao seu pensamento.
Para a religião Yorùbá as coisas não são boas ou más. Tudo é relativamente positivo ou negativo, dependendo da situação e posição de cada pessoa.
Dessa forma, matar não é necessariamente ruim, depende da situação. Assim tudo é relativo. Por essa razão não existe o sentido de pecado, mas existem leis. Isso não torna a religião simples, pelo contrário, existem centenas delas de leis e regras que podem ser diferentes para cada pessoa, lugar ou coisa.
Entretanto, cada pessoa, lugar ou atividade, seja natural ou supernatural é objeto de suas próprias leis e sua violação trará calamidade e infelicidade.
Esse conceito vasto e complexo foi resumido pelos europeus de uma forma muito simples, eles dizem que tudo é superstição. Para os Yorùbá é parte de sua complexa religião que é voltada para os seres humanos.
Desta maneira a gravidade ou não do ato de abortar, em relação às consequências, dependerá das razões e situação e não do ato em si. A mulher poderá não ter nenhuma consequência com sua decisão ou poderá arrastar para só o carrego de abikú, tudo depende da situação e motivação, ou seja o contexto.
Dessa forma o ato de fazer o aborto não significa para a religião Yorùbá um “pecado”, não é uma religião feita de verdades absolutas e de pecados absolutos. É uma religião feita de certos e errados, de muitas proibições e de uma avaliação que leva em consideração o contexto de uma vida e não de um momento. Na verdade como eu disse, ela é bem mais complexa e longe dessa abordagem infantil de pecado, deus e diabo que as religiões cristãs têm.
Voltando ao tema, não é entendido que você está matando alguém. A vida é um ciclo contínuo, é entendido que você está interrompendo um ciclo, o destino de alguém. A gravidade do ato está na interrupção do destino, é isso que pesará e não vai condenar ninguém ao inferno (como eu falei, uma pessoa não é julgada por um momento e sim por toda uma vida).
Repetindo, o que poderá trazer são consequências ruins para eventos futuros da vida da pessoa que elá terá de encarar nessa vida. Não existe nesta religião o entendimento de atos que vão repercutir por todo o sempre e em próximas vidas, essa visão sombria dos kardecistas não está presenta aqui.
O que fazer? Simples, faça o que é certo pelos motivos certos. A religião Yorùbá não condena isso apenas por condenar, apenas pelo ato. Você não está matando ninguém, se é o que lhe preocupa, mas fará algo diferente que é cortar o destino de alguém que ia nascer ou mesmo o seu.
O ato de prejudicar o destino de alguém, incluindo o seu próprio é muito mais sério para a religião Yorùbá do que o de matar por si só.
A benção de filhos
A primeira coisa que qualquer babalawo poderá dizer sobre o tema do aborto na religião é que para essa religião, filhos são uma benção.
Sim, isso mesmo, filhos são considerados uma benção divina. Um dos maiores motivos que leva mulheres a Ifá é a fertilidade, ter filhos.
Como citei, não encontramos na religião, citações diretas ao aborto provocado, mas, sabemos que filhos são valorizados demais. Esta é uma contribuição inegável de Ifá a esta discussão visto que este tipo de entendimento veio com Ifá não fazia parte do conhecimento do Candomblé.
Os filhos são uma benção equivalente a ter casa, mulher, dinheiro, saúde. Mas, porque ter filhos é assim tão especial na religião?
Trata-se de 2 coisas, uma questão teológica e outra cultural.
No aspecto cultural temos que lembrar que essa religião tem origem em um povo rural, fazendeiros. Em sociedades rurais ter filhos era importante para poder tocar o negócio da família ou a própria subsistência. Além disso os filhos é quem garantiam o suporte aos pais quando esse envelheciam. Dessa forma filhos são sempre uma benção nesse tipo de sociedade.
Pelo lado teológico, é uma religião re-encarnacionista e que acredita que a família permanece unida, seja no Orun como no Aiye e, assim, as pessoas re-encarnam, voltam ao Aiye para uma nova vida, através dos seus próprios descendentes. Se uma pessoa morre poderá voltar em gerações seguintes em seus tataranetos.
Com esta filosofia é muito importante que você tenha filhos, vários, para que possa mais tarde voltar a viver no Aiye.
Esse aspecto deve ser levado em conta antes de decidir pelo ato de abortar.
A visão da vida como um ciclo
Também de acordo com essa filosofia a vida é algo passageiro e um ciclo que se renova e se repete, uma vida que não deu certo será substituída por outra vida. Não existe na visão desta religião do fatalismo espírita de que encarnamos para evoluir, para sofrer e tal.Olha, não existe essa de religião certa, ninguém sabe, cada religião é, na verdade, uma proposta de ver a vida e adicionalmente, as mais profundas e especiais trazem conhecimento de como se comunicar com o divino e usar o supernatural para te ajudar na vida. Cada pessoa deve escolher com qual visão de vida se enquadra melhor, ou seja, com qual visão metafórica ele pretende viver. Isso é o básico da religião.
Estará mais certo aquele que se sentir de fato conectado com o divino, assistido e respondido em suas dúvidas, anseios e ajudas. No caso da religião Yorùbá com o Candomblé e com Ifa eu posso dar meu testemunho pessoal de estar 100% atendido. Tenho retorno do divino, tenho resposta e contato. O divino, deus, não é alguém distante que responde com silêncio às minhas preces, ele responde com resultado e ações à minha Fé.
Não tenho dessa maneira como dizer que esta religião está errada, pelo contrário, minha fé e o retorno que tenho dela me fazem dizer que esta religião está certa. Se ela é uma religião verdadeira que não engana minha fé com silêncio e crença no inatingível e a perspectiva de que só vou ser feliz depois que morrer, então tenho que dar continuidade a minha fé e crer nos dogmas e teologias, mas, principalmente da esperança de vida que ela me dá.
Nesse sentido sou sim compelido a acreditar que vivemos porque gostamos de viver, vivemos porque a vida é uma aventura, uma experiência gratificando de emoções, prazeres, realizações e sabores. Acredito que vivemos e voltamos a viver porque queremos estar aqui, no Aiye, com nossa família.
Ao seguir esta fé nesse modelo, a gente entende que a vida é importante as se renova e que morrer é esperar um novo ciclo.
A morte, Ikú, é uma divindade masculina, criação de Olodumare e presente em vários mitos e versos de Odù. Existem muitas histórias importantes com Ikú, a que gosto mais é que diz que quando Olodumare deu a Oxala a missão de criar a humanidade, as pessoas, Oxala precisou de barro para fazer o corpo das pessoas. Ele foi pegar o barro para fazer os corpos mas o barro chorava muito quando ela pegava um pouco do barro para moldar os corpos e Oxala ficava com pena, não conseguindo pegar o barro. Outros Orixá tentaram ajudar Oxala e não conseguiram também, somente Ikú foi quem teve coragem de pegar barro para Oxala, não ouvindo as lamentações do barro, mas Ikú ficou encarregado de devolver ao barro a porção que ele retirava para fazer os corpos. Essa é a razão pela qual é a morte que leva a vida das pessoas e devolve para o barro e também a razão pela qual os mortos yorùbá devem ser enterrados.
Dessa maneira morrer não é um mal, as pessoas morrem por muitos motivos. Nos versos existem mortes como punição por males e erros. A morte não é uma exceção, é, na verdade, alguma coisa muito natural. Lembro que existiam sacrifícios humanos, eram raros e especiais, mas, haviam e eles acabaram com a colonização européia
Igualmente quando nasciam gêmeos, isso era considerado de mal agouro e os gêmeos eram mortos pelos pais. Esse costume de matar os gêmeos também se prolongou por longa data, encerrando somente devido a pressão da colonização.
Isso tudo tem a finalidade de concluir que a forma como essa religião vê a morte é muito distinta da forma como outras religiões a veem.
Conclusão
Não existe referência direta ao aborto provocado na religião Yorùbá, mas, o aborto natural é largamente entendido e tem causas naturais ou supernaturais bem exploradas.
Não existe um dogma que determine ser certo ou errado o ato de abortar. Ser certo ou errado dependerá das circunstâncias e motivos, mas, existem consequências para um ato errado que, contudo, podem ser amenizadas ou resolvidas através da religião.
Realizar o aborto não implica em matar uma pessoa, uma pessoa é um indivíduo depois que ele respira por sua própria conta. O corpo é um receptáculo em formação e pertence ao corpo da mulher enquanto sendo formado.
O ato do aborto não condena a vida de ninguém, mas pode trazer complicações que se refletirão em momentos futuros.
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