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domingo, julho 30, 2017

A REAFRICANIZAÇÃO NO CANDOMBLÉ

A REAFRICANIZAÇÃO NO CANDOMBLÉ




Com o passar do tempo nós acumulamos história e eventos. Para falar de reafricanização do Candomblé temos que falar sobre 2 momentos distintos da história, um que ocorreu na década de 90 e outro que está ocorrendo agora.

O Candomblé, é muito completo em relação a refletir em sua liturgia e culto a teogonia e cosmogonia Yorùbá. O conhecimento teologicamente “puro e erudito” pode não sair fluentemente das pessoas, mas, a prática está alinhada e harmonizada com o núcleo teológico da religião. Por mais que tenhamos acesso à informação de qualidade, nenhuma motivação surge para mudarmos nossa prática litúrgica.

O conhecimento teológico no Candomblé existe seja por suas raízes ou pelo processo cultural iniciado na década de 80 que corrigiu, complementou ou preencheu vazios que haviam. As novas informações foram importantes e ainda estão sendo, mas efetivamente não mudaram nada que o Candomblé fazia, apenas enriqueceram o culto e o entendimento da religião e sobre Orixá (Òrìṣà).

O fenômeno social do contato das pessoas do Candomblé com novas fontes de informações, trouxe também uma reafricanização do culto e fortemente a sua desincretização. O contato do Candomblé com os nigerianos, na década de 70 e 80 e principalmente com os livros de antropólogos e pesquisadores, trouxe um definitivo e inevitável afastamento do sincretismo e também o resgate de alguns conceitos teológicos que haviam sido deixados de lado, esquecidos ou ficado sem ênfase.

Muitos podem reagir ao processo de reafricanização que introduziu elementos que haviam sido desconectados, mas, sem dúvida, o processo de desincretização era mais do que urgente.

A reafricanização não foi nada revolucionário, ela resgatou no Candomblé algumas características originais da religião, principalmente conhecimentos, entendimentos e explicações que foram sendo esquecidas ou relaxadas ao longo do tempo em função com processo ruim de transmissão.

Esse primeiro ciclo de reafricanização, motivado por nós mesmos, não teve como alvo a liturgia e a prática, teve como alvo o conhecimento.

Eu tenho certas restrições ao uso generalizado do termo reafricanização porque tem sido empregado de duas maneiras. A primeira é essa que eu citei, quando melhora e revigora o Candomblé, mas de forma discreta. A segunda é quando se usa isso como se fosse necessário mudar o Candomblé para um formato mais africano como se a prática da religião tradicional lá fosse o certo ou maravilhosa. Não é nada disso.

Um exemplo dessa africanização positiva foi a posição de Olódùmarè, o deus supremo, dentro da religião. O nosso culto de orixá (òrìṣà) tinha, e ainda tem, uma teogonia muito orixalizada. A teogonia original Yorùbá foi simplificada e divindades originais foram aqui, no Candomblé, substituídas por Orixá (òrìṣà). Tudo no culto era orixá (òrìṣà). Isso não alterou a religião, apenas simplificou o entendimento e mudou o sujeito de algumas ações e mitos.

A figura de Olódùmarè aqui, no Brasil, era substituída por Oxalá (òṣàlá). Oxalá (òṣàlá) é também, na religião Yorùbá, orixá nla (òrìṣà nla) a divindade maior na área de Ìfẹ̀. Essa ênfase em Oxalá (òṣàlá) não é nada absurdo. Aqui, também, yemoja (yemjá) acabou ganhando um papel mais relevante fazendo um par com Oxalá (òṣàlá), par esse que não existe na religião Yorùbá.

No candomblé Oxalá (òṣàlá) e yemoja (yemjá) acabaram recebendo o simbolismo de pai e mãe de todos, com Oxalá (òṣàlá) no papel da divindade máxima e yemoja (yemjá) o de mãe “das cabeças”.

Esses papéis são somente aqui. Sem dúvida Oxalá (òṣàlá) tem uma representatividade grande no seu papel de Orixá nla ( Òrìṣà nla), mas, é Olódùmarè quem é a divindade máxima. Já o papel de yemoja (yemjá), complementa o de Ori, real divindade que cuida da cabeça das pessoas.

Curiosamente no Candomblé a divindade ORÍ é conhecida e tem seu papel conhecido e reconhecido, esse posicionamento de yemoja (yemjá) é uma jabuticaba do Candomblé. Só aqui existe esta nomeação de yemoja (yemjá) como Iya Ori, mãe das cabeças. Isso não existe de fato. Inclusive, o “casal” Oxalá (òṣàlá) e yemoja (yemjá) é uma criação de pindorama mesmo, provavelmente refletindo ou sincretizando o modelo jeje de família e o casal maior.

Foi o jeje que trouxe para o Candomblé Yorùbá (ketu, efon, ijexá e outros) o modelo de cultuar em um mesmo terreiro todos os orixá (òrìṣà) e também de relacionar entre si os orixá (òrìṣà) como uma família, uma família com orixá (òrìṣà) pai e filhos. Esse modelo familiar não é o modelo Yorùbá de orixá (òrìṣà), mas é o modelo Jeje de Vodum que sem dúvida alguma foi absorvido pelo Candomblé Yorùbá.

Muitos podem não entender essa minha afirmação, sei que é um pouco avançada para entender. Dentro do Candomblé houve vários sincretismos entre as nações. O culto Yorùbá evoluiu no seu formato brasileiro absorvendo coisas do modelo de referência Jeje, principalmente ligadas as casas com espaço comum a muitos Orixá (Òrìṣà), o que não é uma coisa do modelo Yorùbá. O mesmo ocorreu com o grupo Jeje que foi influenciado por novos Orixá (Òrìṣà) e por liturgias.

O modelo de culto Yorùbá é bem regionalizado e especializado, na Nigéria e no Benim, poucas são as divindades e orixás cultuados em todas as regiões. Casas e sacerdotes se especializam em determinado Orixá (Òrìṣà), bem omo regiões inteiras são dedicadas a um Orixá (Òrìṣà).

No Brasil esse modelo era impossível, as casas tiveram que assumir outro formato no qual a quantidade e qualidade de Orixá (Òrìṣà) foi pré-definida e integrados sob o mesmo telhado.

Repito esse modelo “familiar” de divindades com relações de casal e filiações é um modelo Jeje, totalmente característico dos Voduns que se agrupam em Clãs. O modelo Yorùbá não tem esse formato e integração e sem dúvida a experiência Jeje com isso foi a nossa referência.

O papel de yemoja (yemjá) também foi bastante inflado no Candomblé, ela é um orixá (òrìṣà) importante em algumas regiões, como obeokuta, mas é Óxun (Ọ̀ṣun) o orixá (òrìṣà) feminino mais relevante e presente largamente nos versos de Ifá. O papel de mãe de todas as cabeças é uma jabuticaba do Candomblé, não existe de fato essa referência teológica.

O Candomblé orixalizou a teogonia e várias divindades conhecidas na teologia como irunmoles, como por exemplo Ajalá, eram conhecidas das pessoas, comentadas ou lembradas, mas, na prática, mesmo, substituídas por algum orixá (òrìṣà). Isso não é um problema, mas com a introdução de novos conhecimentos e fontes ocorreu o resgate de alguns conceitos teológicos e teogonia originais e, também, o afastamento de desvios sem razão, o pior deles o sincretismo católico.

Essa africanização ou reafricanização é nesse sentido. Pessoas mais antigas ainda ressentem com essa questão de Olódùmarè, por exemplo, aprenderam um candomblé sem ele. Esse foi um ciclo de africanização positivo, feito em vista da presença de informação nova e melhor.

Hoje em dia existe um novo ciclo de africanização que está sendo forçadamente induzido não pela presença de informação de qualidade, pelo contrário, na presença de informação baixa qualidade através das tradições estrangeiras que aportaram aqui por refugiados sociais.

Esse é o termo, refugiados sociais, pessoas estrangeiras que não tiveram sucesso em suas terras, seus países, saem dos países de nascença para fazer a vida em outro pais. Isso é um refugiado social. Nesse caso eles trazem sua profissão, pai-de-santo. São cubanos, Nigerianos e Beninenses, não importa, refugiados sociais, se fossem bons no que faziam e prósperos na sua terra teriam ficado la.

Essas pessoas em um processo mundial de migrações foram principalmente para países ricos, é claro, se são refugiados sociais têm que buscar onde existe dinheiro, senão ficam como já estavam. Não tenho dúvida que os melhores e mais espertos foram para esses países. Os menos afortunados se dirigiram a países mais pobre mundialmente, o nosso por exemplo, dessa forma, justamente podemos questionar a qualidade do que estamos recebendo, é o que sobrou.

Os refugiados trouxeram suas tradições religiosas e se estabeleceram aqui para fazer o que sabem, ganhar dinheiro com a prática da religião. Isso já os coloca em um patamar muito claro, não são pessoas integradas na sociedade e que se interessaram e passaram a se dedicar a uma religião, promovendo os valores que a religião se propõe a transmitir para as pessoas. Isso pode não ser claro para muitos que se confundiram, mas eu compreendo exatamente o que uma religião deve fazer para as pessoas e para a sociedade, uma religião não é uma atividade profissional comum feita para remunerar sacerdotes, existem coisas que vem antes disso.

A posição desses refugiados sociais na nossa sociedade é bem clara, eles estão aqui para ganhar dinheiro com o que sabem fazer, serem sacerdotes. Essas pessoas trouxeram para cá as tradições religiosas da sociedade deles, tradições que foram moldadas para a sociedades que as geraram e que eles pertenciam.

Sejam os cubanos do Ifá e do Lukumi ou sejam os Nigerianos e Benienses de Ifá e da YTR caem aqui, com mala e cuia, e tem que estabelecer a sua tradição como eles faziam, do jeito que eles conhecem. Para que isso funcione a maior parte deles, senão todos tem que se contrapor às nossas tradições religiosas, ao Candomblé, trazendo críticas e novidades que eles julgam serem as certas e melhores.

Esses refugiados sociais se unem aqui a outros refugiados, ou melhor expropriados, aquelas pessoas que tentaram de alguma forma entrar nas tradições brasileiras e que devido a dificuldades diversas como desde se deparar com “marmoteiros” até mesmo não se enquadrar nos formatos e regras rígidas e opressoras que nossas tradições ainda tem, elas não conseguiram se estabelecer.

É o encontro ideal, de um lado os que precisam se estabelecer e de outro os que querem ser abduzidos. Assim nascem as tradições religiosas estrangeiras em nossa terra, unindo pessoas que querem estar na religião e sempre estarem certas ou confortáveis e mais principalmente o grupo que precisa comprar títulos para se estabelecerem.

Ifá tem sido muito profícuo para este último grupo. Cubanos e africanos fazem qualquer coisa por dinheiro e em Ifá os trabalhos e obrigações são rápidos e simples. Uma enorme legião de pessoas que não se submeteu as regras e disciplinas das tradições religiosas que exigem anos de dedicação, mas que vivem na periferia dessas religiões fingindo ser o que não são, encontram fácil em Ifá gente que pagando o transformam em qualquer coisa. Isso é a união da falta de escrúpulos de ambos os lados.

Antes de eu abordar essa segunda onda de africanização, não posso de forma alguma deixar de caracterizar os componentes do grupo social que vem querendo patrocinar essa africanização.

Como eu disse esse conjunto de pessoas reúne o pior de dois mundos, a baixa qualidade e falta de escrúpulo do lado estrangeiro, refugiados sociais em busca de fazer a vida aqui e de outro os preguiçosos e despreparados.

Eu não consigo ver razões para os nativos aqui não terem conseguido se encontrar ou encaixar em nenhuma tradição religiosa ou casa de Orixá (Òrìṣà). Temos várias tradições e milhares de casas. A seleção de um lugar para você ficar passa pelo mesmo critério que você escolhe tudo na sua vida, muita atenção, observação e bom senso. Acredito mesmo que uma pequena minoria pode ter se dado mal por engano, a maioria coleciona experiências negativas porque as procura com bastante energia.

O grupo dos despreparados é que mais me aborrece. Gente que nunca se dedicou a nada, nunca entendeu a religião, que não aprendeu o mistério e, de uma hora para outra, vira especialista em nada. Eles aprendem o pouco que esses estrangeiros ensinam e saem falando como se fossem especialistas em alguma coisa.

O grupo ligado aos cubanos é delirante, eles passam a repetir as maluquices e invencionices dos cubanos como se aquilo fosse alguma coisa relevante. Os cubanos foram os mestres em inventar coisas na religião se afastando muito da religião original, eles inventaram uma teogonia deles.

O grupo ligado aos africanos da YTR (Yorùbá traditional religion) ou RTY como dizem aqui, são os piores. Muitos deles fazem turismo na áfrica e voltam com o que viram se transformando em especialistas. Esse é o grupo que vem tentando promover uma nova onde de africanização baseado no que a YTR diz e nas idiotices que eles passam a achar que sabem.

Claro que impressionam, pegam pessoas desinformadas ou pessoas simples e dizem que na áfrica é assim ou assado, que viu isso ou aquilo e por ai vai. Pessoas inseguras passam a acreditar naquilo e achar que estão certos. Não estão, como já mencionei, nossa tradição religiosa tem muitas dezenas de anos, é mais antiga que a formação dessas YTR por ai, não temos que mudar nada.

O fato é que deve se ter muito cuidado com a africanização. Muita calma e prudência para evitar mudar nossas liturgias e conceitos por causa de uma referência africana ruim. Atualmente, junto com Ifá vieram práticas litúrgicas dos cultos de orixá (òrìṣà) de Cuba e Nigéria. Existe um novo tipo de africanização ruim em curso. Pessoas do Candomblé, inseguras ou sem conhecimento de fato (isso tem aos montes), mudam entendimentos e adotam liturgias externas ao Candomblé ao verem ou terem contato com as práticas de outras tradições de orixá (òrìṣà). Isso está errado, é o lado ruim. Adotar práticas da tradição Yorùbá é uma bobagem, fazemos melhor aqui, adotar práticas do lukumi cubano é um atestado e burrice.

O fato de eles falaram que lá é de outro jeito, é problema deles, eles que se virem e aprendam como deve ser feito, porque, nós, sabemos e não precisamos de ajuda.

Digo mais, apenas casas pequenas e fracas se impressionam com isso, casas grandes com pessoas esclarecidas e ligados a linhagens não se impressionam com isso.

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