A REAFRICANIZAÇÃO NO CANDOMBLÉ
Com o passar do tempo nós acumulamos
história e eventos. Para falar de reafricanização do Candomblé
temos que falar sobre 2 momentos distintos da história, um que
ocorreu na década de 90 e outro que está ocorrendo agora.
O Candomblé, é muito completo em
relação a refletir em sua liturgia e culto a teogonia e cosmogonia
Yorùbá. O conhecimento teologicamente “puro e erudito” pode não
sair fluentemente das pessoas, mas, a prática está alinhada e
harmonizada com o núcleo teológico da religião. Por mais que
tenhamos acesso à informação de qualidade, nenhuma motivação
surge para mudarmos nossa prática litúrgica.
O conhecimento teológico no
Candomblé existe seja por suas raízes ou pelo processo cultural
iniciado na década de 80 que corrigiu, complementou ou preencheu
vazios que haviam. As novas informações foram importantes e ainda
estão sendo, mas efetivamente não mudaram nada que o Candomblé
fazia, apenas enriqueceram o culto e o entendimento da religião e
sobre Orixá (Òrìṣà).
O fenômeno social do contato das
pessoas do Candomblé com novas fontes de informações, trouxe
também uma reafricanização do culto e fortemente a sua
desincretização. O contato do Candomblé com os nigerianos, na
década de 70 e 80 e principalmente com os livros de antropólogos e
pesquisadores, trouxe um definitivo e inevitável afastamento do
sincretismo e também o resgate de alguns conceitos teológicos que
haviam sido deixados de lado, esquecidos ou ficado sem ênfase.
Muitos podem reagir ao processo de
reafricanização que introduziu elementos que haviam sido
desconectados, mas, sem dúvida, o processo de desincretização era
mais do que urgente.
A reafricanização não foi nada
revolucionário, ela resgatou no Candomblé algumas características
originais da religião, principalmente conhecimentos, entendimentos e
explicações que foram sendo esquecidas ou relaxadas ao longo do
tempo em função com processo ruim de transmissão.
Esse primeiro ciclo de
reafricanização, motivado por nós mesmos, não teve como alvo a
liturgia e a prática, teve como alvo o conhecimento.
Eu tenho certas restrições ao uso
generalizado do termo reafricanização porque tem sido empregado de
duas maneiras. A primeira é essa que eu citei, quando melhora e
revigora o Candomblé, mas de forma discreta. A segunda é quando se
usa isso como se fosse necessário mudar o Candomblé para um formato
mais africano como se a prática da religião tradicional lá fosse o
certo ou maravilhosa. Não é nada disso.
Um exemplo dessa africanização
positiva foi a posição de Olódùmarè, o deus supremo, dentro da
religião. O nosso culto de orixá
(òrìṣà)
tinha, e ainda tem, uma teogonia muito orixalizada. A teogonia
original Yorùbá foi simplificada e divindades originais foram aqui,
no Candomblé, substituídas por Orixá (òrìṣà). Tudo no culto
era orixá (òrìṣà).
Isso não alterou a religião, apenas simplificou o entendimento e
mudou o sujeito de algumas ações e mitos.
A figura de Olódùmarè aqui, no
Brasil, era substituída por Oxalá (òṣàlá). Oxalá (òṣàlá)
é também, na religião Yorùbá, orixá
nla (òrìṣà
nla) a divindade
maior na área de Ìfẹ̀.
Essa
ênfase em Oxalá (òṣàlá) não é nada absurdo.
Aqui, também, yemoja (yemọjá)
acabou ganhando um papel mais relevante fazendo um par com Oxalá
(òṣàlá), par esse que não existe na religião Yorùbá.
No candomblé Oxalá (òṣàlá) e
yemoja (yemọjá)
acabaram recebendo o simbolismo de pai e mãe de todos, com Oxalá
(òṣàlá) no papel da divindade máxima e yemoja
(yemọjá)
o de mãe “das cabeças”.
Esses papéis são somente aqui. Sem
dúvida Oxalá (òṣàlá) tem uma representatividade grande no seu
papel de Orixá nla ( Òrìṣà
nla), mas, é
Olódùmarè quem é a divindade máxima. Já
o papel de yemoja
(yemọjá),
complementa o de Ori, real divindade que cuida da cabeça das
pessoas.
Curiosamente
no Candomblé a
divindade ORÍ é
conhecida e tem seu
papel conhecido e reconhecido, esse posicionamento de yemoja
(yemọjá)
é uma jabuticaba do Candomblé. Só
aqui existe esta nomeação de yemoja
(yemọjá)
como
Iya Ori, mãe das cabeças. Isso não existe de fato.
Inclusive, o “casal”
Oxalá (òṣàlá) e yemoja (yemọjá)
é uma criação de pindorama mesmo, provavelmente refletindo ou
sincretizando o modelo jeje de família e o casal maior.
Foi o jeje que trouxe para o
Candomblé Yorùbá (ketu, efon, ijexá e outros) o modelo de cultuar
em um mesmo terreiro todos os orixá
(òrìṣà)
e também de relacionar entre si os orixá
(òrìṣà)
como uma família, uma família com orixá
(òrìṣà)
pai e filhos. Esse modelo familiar não é o modelo Yorùbá de orixá
(òrìṣà),
mas é o modelo Jeje de Vodum que sem dúvida alguma foi absorvido
pelo Candomblé Yorùbá.
Muitos podem não entender essa minha
afirmação, sei que é um pouco avançada para entender. Dentro do
Candomblé houve vários sincretismos entre as nações. O culto
Yorùbá evoluiu no seu formato brasileiro absorvendo coisas do
modelo de referência Jeje, principalmente ligadas as casas com
espaço comum a muitos Orixá (Òrìṣà), o que não é uma coisa
do modelo Yorùbá. O mesmo ocorreu com o grupo Jeje que foi
influenciado por novos Orixá (Òrìṣà) e por liturgias.
O modelo de culto Yorùbá é bem
regionalizado e especializado, na Nigéria e no Benim, poucas são as
divindades e orixás cultuados em todas as regiões. Casas e
sacerdotes se especializam em determinado Orixá (Òrìṣà), bem
omo regiões inteiras são dedicadas a um Orixá (Òrìṣà).
No Brasil esse modelo era impossível,
as casas tiveram que assumir outro formato no qual a quantidade e
qualidade de Orixá (Òrìṣà) foi pré-definida e integrados sob o
mesmo telhado.
Repito esse modelo “familiar” de
divindades com relações de casal e filiações é um modelo Jeje,
totalmente característico dos Voduns que se agrupam em Clãs. O
modelo Yorùbá não tem esse formato e integração e sem dúvida a
experiência Jeje com isso foi a nossa referência.
O papel de yemoja
(yemọjá)
também foi bastante inflado no Candomblé, ela é um orixá
(òrìṣà)
importante em algumas regiões, como obeokuta, mas é Óxun (Ọ̀ṣun)
o orixá (òrìṣà)
feminino mais relevante e presente largamente nos versos de Ifá. O
papel de mãe de todas as cabeças é uma jabuticaba do Candomblé,
não existe de fato essa referência teológica.
O Candomblé orixalizou a teogonia e
várias divindades conhecidas na teologia como irunmoles, como por
exemplo Ajalá, eram conhecidas das pessoas, comentadas ou lembradas,
mas, na prática, mesmo, substituídas por algum orixá
(òrìṣà).
Isso não é um problema, mas com a introdução de novos
conhecimentos e fontes ocorreu o resgate de alguns conceitos
teológicos e teogonia originais e, também, o afastamento de desvios
sem razão, o pior deles o sincretismo católico.
Essa africanização ou
reafricanização é nesse sentido. Pessoas mais antigas ainda
ressentem com essa questão de Olódùmarè, por exemplo, aprenderam
um candomblé sem ele. Esse foi um ciclo de africanização positivo,
feito em vista da presença de informação nova e melhor.
Hoje em dia existe um novo ciclo de
africanização que está sendo forçadamente induzido não pela
presença de informação de qualidade, pelo contrário, na presença
de informação baixa qualidade através das tradições estrangeiras
que aportaram aqui por refugiados sociais.
Esse é o termo, refugiados sociais,
pessoas estrangeiras que não tiveram sucesso em suas terras, seus
países, saem dos países de nascença para fazer a vida em outro
pais. Isso é um refugiado social. Nesse caso eles trazem sua
profissão, pai-de-santo. São cubanos, Nigerianos e Beninenses, não
importa, refugiados sociais, se fossem bons no que faziam e prósperos
na sua terra teriam ficado la.
Essas pessoas em um processo mundial
de migrações foram principalmente para países ricos, é claro, se
são refugiados sociais têm que buscar onde existe dinheiro, senão
ficam como já estavam. Não tenho dúvida que os melhores e mais
espertos foram para esses países. Os menos afortunados se dirigiram
a países mais pobre mundialmente, o nosso por exemplo, dessa forma,
justamente podemos questionar a qualidade do que estamos recebendo, é
o que sobrou.
Os refugiados trouxeram suas
tradições religiosas e se estabeleceram aqui para fazer o que
sabem, ganhar dinheiro com a prática da religião. Isso já os
coloca em um patamar muito claro, não são pessoas integradas na
sociedade e que se interessaram e passaram a se dedicar a uma
religião, promovendo os valores que a religião se propõe a
transmitir para as pessoas. Isso pode não ser claro para muitos que
se confundiram, mas eu compreendo exatamente o que uma religião deve
fazer para as pessoas e para a sociedade, uma religião não é uma
atividade profissional comum feita para remunerar sacerdotes, existem
coisas que vem antes disso.
A posição desses refugiados sociais
na nossa sociedade é bem clara, eles estão aqui para ganhar
dinheiro com o que sabem fazer, serem sacerdotes. Essas pessoas
trouxeram para cá as tradições religiosas da sociedade deles,
tradições que foram moldadas para a sociedades que as geraram e que
eles pertenciam.
Sejam os cubanos do Ifá e do Lukumi
ou sejam os Nigerianos e Benienses de Ifá e da YTR caem aqui, com
mala e cuia, e tem que estabelecer a sua tradição como eles faziam,
do jeito que eles conhecem. Para que isso funcione a maior parte
deles, senão todos tem que se contrapor às nossas tradições
religiosas, ao Candomblé, trazendo críticas e novidades que eles
julgam serem as certas e melhores.
Esses refugiados sociais se unem aqui
a outros refugiados, ou melhor expropriados, aquelas pessoas que
tentaram de alguma forma entrar nas tradições brasileiras e que
devido a dificuldades diversas como desde se deparar com
“marmoteiros” até mesmo não se enquadrar nos formatos e regras
rígidas e opressoras que nossas tradições ainda tem, elas não
conseguiram se estabelecer.
É o encontro ideal, de um lado os
que precisam se estabelecer e de outro os que querem ser abduzidos.
Assim nascem as tradições religiosas estrangeiras em nossa terra,
unindo pessoas que querem estar na religião e sempre estarem certas
ou confortáveis e mais principalmente o grupo que precisa comprar
títulos para se estabelecerem.
Ifá tem sido muito profícuo para
este último grupo. Cubanos e africanos fazem qualquer coisa por
dinheiro e em Ifá os trabalhos e obrigações são rápidos e
simples. Uma enorme legião de pessoas que não se submeteu as regras
e disciplinas das tradições religiosas que exigem anos de
dedicação, mas que vivem na periferia dessas religiões fingindo
ser o que não são, encontram fácil em Ifá gente que pagando o
transformam em qualquer coisa. Isso é a união da falta de
escrúpulos de ambos os lados.
Antes de eu abordar essa segunda onda
de africanização, não posso de forma alguma deixar de caracterizar
os componentes do grupo social que vem querendo patrocinar essa
africanização.
Como eu disse esse conjunto de
pessoas reúne o pior de dois mundos, a baixa qualidade e falta de
escrúpulo do lado estrangeiro, refugiados sociais em busca de fazer
a vida aqui e de outro os preguiçosos e despreparados.
Eu não consigo ver razões para os
nativos aqui não terem conseguido se encontrar ou encaixar em
nenhuma tradição religiosa ou casa de Orixá (Òrìṣà). Temos
várias tradições e milhares de casas. A seleção de um lugar para
você ficar passa pelo mesmo critério que você escolhe tudo na sua
vida, muita atenção, observação e bom senso. Acredito mesmo que
uma pequena minoria pode ter se dado mal por engano, a maioria
coleciona experiências negativas porque as procura com bastante
energia.
O grupo dos despreparados é que mais
me aborrece. Gente que nunca se dedicou a nada, nunca entendeu a
religião, que não aprendeu o mistério e, de uma hora para outra,
vira especialista em nada. Eles aprendem o pouco que esses
estrangeiros ensinam e saem falando como se fossem especialistas em
alguma coisa.
O grupo ligado aos cubanos é
delirante, eles passam a repetir as maluquices e invencionices dos
cubanos como se aquilo fosse alguma coisa relevante. Os cubanos foram
os mestres em inventar coisas na religião se afastando muito da
religião original, eles inventaram uma teogonia deles.
O grupo ligado aos africanos da YTR
(Yorùbá traditional religion)
ou RTY como dizem aqui, são os piores. Muitos deles fazem turismo na
áfrica e voltam com o que viram se transformando em especialistas.
Esse é o grupo que vem tentando promover uma nova onde de
africanização baseado no que a YTR diz e nas idiotices que eles
passam a achar que sabem.
Claro que impressionam, pegam pessoas
desinformadas ou pessoas simples e dizem que na áfrica é assim ou
assado, que viu isso ou aquilo e por ai vai. Pessoas inseguras passam
a acreditar naquilo e achar que estão certos. Não estão, como já
mencionei, nossa tradição religiosa tem muitas dezenas de anos, é
mais antiga que a formação dessas YTR por ai, não temos que mudar
nada.
O fato é que deve se ter muito
cuidado com a africanização. Muita calma e prudência para evitar
mudar nossas liturgias e conceitos por causa de uma referência
africana ruim. Atualmente, junto com Ifá vieram práticas litúrgicas
dos cultos de orixá
(òrìṣà)
de Cuba e Nigéria. Existe um novo tipo de africanização ruim em
curso. Pessoas do Candomblé, inseguras ou sem conhecimento de fato
(isso tem aos montes), mudam entendimentos e adotam liturgias
externas ao Candomblé ao verem ou terem contato com as práticas de
outras tradições de orixá
(òrìṣà).
Isso está errado, é o lado ruim. Adotar práticas da tradição
Yorùbá é uma bobagem, fazemos melhor aqui, adotar práticas do
lukumi cubano é um atestado e burrice.
O fato de eles falaram que lá é de
outro jeito, é problema deles, eles que se virem e aprendam como
deve ser feito, porque, nós, sabemos e não precisamos de ajuda.
Digo mais, apenas casas pequenas e
fracas se impressionam com isso, casas grandes com pessoas
esclarecidas e ligados a linhagens não se impressionam com isso.
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