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segunda-feira, fevereiro 09, 2015

A Ligação entre Ifá e o Culto de orixá Revisão 2



A Ligação entre Ifá e o Culto de orixá

Revisão 2


Este é mais um daqueles textos que demoram muito tempo para serem feitos. Foi reescrito muitas vezes, etc.. É muito difícil chegar a um bom termo em alguns temas, nos quais você tem que relatar o que vê e dizer o que pensa.

Tudo isso começou com a observação da forma como o ifa cubano traz junto de si a prática de orixá deles, cubanos, a santeria, e como algumas coisas têm se desenvolvido aqui no Brasil. Resolvi escrever sobre isso, mas, o texto tomou um rumo mais amplo e por isso me tomou mais tempo.

Lembro também que sempre “pinto” o que eu escrevo com cores bem fortes. Isso é para ir no ponto que importa, chamar atenção para o aspecto que está sendo comentado. Vejo muito texto que você não entende onde as pessoas querem chegar. Claro que o mundo real é bastante complexo e existem várias situações, casos e exceções e nenhum texto captura tudo isso, por isso o que importa mesmo é tratarmos do ponto principal.

Quando comparado com o Candomblé, nosso culto de Orixá, a forma como as coisas são feitas e tratadas no Ifá cubano e dos cubanos em geral, sempre me trouxe muita distância e estranheza. Eram coisas muito diferentes na prática para lidar com o mesmo divino, a mesma religião. Isso não tinha haver com Ifá, era a parte de Orixá que era muito complicada de eu aceitar, mas, mantive comigo, afinal eram coisas de cubanos e eu demorei um tempo para conseguir separar o que eram coisas que os babalawo faziam que era Ifá mesmo e as que eram Orixá e Palo.

Uma das “pérolas” mais hilárias que ouvi era quando fazia um comentário sobre a forma como fazemos com orixá aqui e vem a resposta dizendo que no Ifá é diferente e não se pode fazer daquele jeito.

Que estupidez, eu pensava, que coisa de idiota, como uma pessoa nem pensa no que está falando.

Como esses estrangeiros querem se introduzir aqui se não respeitam o nosso culto de Orixá e se não querem entender minimamente o que temos e o que fazemos. Eu vou até mais além, sendo muito crítico fico na dúvida se eles entendem o que é orixá de fato.

Este texto será longo e essas afirmações serão explicadas.


Ifá e o culto de Orixá


A primeira informação importante para todos é que Ifá não está dissociado do culto de orixá. Isso foi uma constatação muito interessante e motivante para mim. Ifá é um culto que pertence a mesma religião (Yoruba) que tem um culto de Orixá. Aliás, a gente vai encontrar na religião Yoruba 3 cultos, o de Orixá, o de Ifá e o de Egungun.

São cultos distintos porque tem foco em divindades diferentes, tem liturgias distintas e tem objetivos complementares, mas, fazem parte da mesma religião, compartilham as mesmas divindades e a mesma teogonia. São separados mas vejo-os fazendo parte de um todo.

Não me perguntem como Ifá se integra com o culto de jeje - Não sei. Quando a pessoa vai a Ifá ela vai na religião Yoruba.

O Jeje representa uma outra religião dentro do Candomblé e um culto com divindades diferentes. O jeje tem Vodun e a religião Yoruba tem Orixá. Conheço muito pouco desta religião, mas, o pouco que conheço me faz recusar esta abordagem medíocre que faz correlação de 1:1 entre Orixá e Vodun. Não concordo que isso seja assim.

Ifá é um oráculo Yoruba. Está ligado a uma teogonia Yoruba, a uma teologia Yoruba e a divindades Yoruba. Tudo em Ifá gira em torno de orixá e da teogonia Yoruba que é diferente da teogonia do Jeje. Quem no Candomblé é de uma nação Yoruba, se vira com facilidade, o pessoal de jeje não sei como faz.

Isso significa que a pessoa não pode ir a Ifá? Não, apenas saiba que vai sair de lá com indicação de coisas para fazer no contexto Yoruba e de suas divindades. Se isso não for problema para ele, então não existe problema. Como estou falando aqui de ecumenização, ou seja, de integração de cultos, no caso do Candomblé temos que ter atenção na raiz da religião.

Claro que a maior parte das pessoas que conheço ou situações que vi indicam que isso não é problema. O que mais tem é “Doté de orixá” e casa de jeje que toca ketu e só faz orixá Yoruba ou faz Vodun como se fosse orixá, só troca o nome. Raro é uma casa que seja Jeje, essa ortodoxia existe mais na nossa cabeça o mundo real é uma bagunça.

Se o Doté ou Doné já é de orixá então o resto todo também o será. A coisa começa da raiz, se a raiz começa com Orixá porque o resto será diferente?

Usando uma expressão que ouvi e gostei, o que temos mais e mais, é o Candomblé popular, não é o Candomblé de nação. As pessoas praticam de qualquer jeito e de qualquer forma. Raros são aqueles preocupados com religião e culto, preocupados com nação e ortodoxia, preocupados em dar consistência no papel da religião na vida das pessoas.

O Candomblé popular é aquele que acontece. As pessoas fazem e ganham dinheiro com ele.

Para aqueles que pensam que isso é um problema dos tempos modernos, não é, pelo contrário, os tempos modernos só melhoraram o Candomblé. A divulgação de informação, a facilidade de reconhecer erros, a penetração em uma camada da população mais preocupada em ter uma religião mudaram para melhor a qualidade do Candomblé.

A perda de conhecimento que o Candomblé teve em sua prática hermética e em guetos era fruto de pessoas com poucos valores e ética, que se preocupavam somente com elas e mais nada. O ganho de qualidade, ética e moral do Candomblé tem sido muito grande e o salvou. Claro que todo crescimento e evolução tem seus defeitos e problemas, mas cada vez a gente tem coisas menos séria ou escandalosas para lidar. A transparência e o acesso à informação mudam para o bem.

Ha muito tempo que já deixei de lado essa posição ingênua de que os "antigos" é que faziam certo. Coisa nenhuma, como eu disse, não sejamos ingênuo. Claro que até podiam entender muita coisa que não sabemos hoje, como também desconhecer coisas que sabemos hoje.

Sua incapacidade em preservar a religião é que levou a perda. Não tenho dúvida que essa mesma herança histórica foi a que expulsou o culto de orixá da Africa. A diáspora negra foi uma solução e não um problema. Ela permitiu que os Orixá se preservassem, porque se dependesse dos africanos já teria acabado.

Essa herança cultural, histórica étnica é que fez com que eles não preservassem sua religião e continuassem submetidos e escravizados apesar do absurdo número de africanos no Brasil. Eles estavam mais preocupados em se dar bem, em se libertar e ter escravos do que mudar algo.

O Candomblé do início do século refletia o mesmo. Desunião e feudalismo.

Voltando ao tema, em ifá existem liturgias próprias de Ifá e que não encontraremos no culto de orixá. O Babalawo trabalha de uma forma distinta do Babalorixá, contudo, Ifá se apoia ou mesmo depende fortemente do culto de Orixá.

Sim, Ifá é o oráculo de orunmilá, mas o que ocorre em nossas vidas, a ação, passa por Ori e principalmente por Orixá. Orixá é a divindade que influencia nossa vida de forma positiva e é quem nos socorre como resultado da consulta a Ifá. Orunmilá não está dissociado dos demais Orixá, ele é o Oráculo, mas nossa vida ainda é orientada diretamente pelos Orixá.

A ação do Oráculo na nossa vida se inicia com Orunmilá e Esu, mas continua e se manifesta com os Orixá. Isso está no odu Oseotuwa. São os orixá os principais motores da nossa transformação e socorro. O Oráculo como intermediário e instrumento de diagnóstico determina ações que serão suportadas por Orixá e egungun.

Esta é a religião Yoruba. Esta é a teogonia. Assim, Ifá não é isolado ou independente ele se integra aos demais cultos de forma bastante natural.

Claro que o Babalawo tem uma forma própria de fazer o que precisa com seus Odù e Opon, mas algumas coisas podem ser ditas:

— existem situações de oráculo que indicam diretamente ou por bom senso que o consulente deve procurar o culto de orixá;

— a maior parte das oferendas à orixá pode ser feita da forma como a pessoa já faz no culto de orixá.

O acesso aos Orixá é determinado quando se especifica o ebó ou oferenda que é necessário. Não lembro se já falei aqui sobre a anatomia de uma consulta a Ifá, creio que sim. Após determinar o Odù que traz a mensagem a pessoa, o Babalawo determina qual o ebó que será necessário para fazer aquilo se manifestar na vida da pessoa.

Nesta fase da consulta podem ser determinados ebó de Ifá com tabuleiros, cerimônias específicas de Ifá e as oferendas a Orixá. Sim, no caso da rama cubana o Babalawo sempre determina que orixá esta respondendo em socorro aquela pessoa. Isso não é nada diferente do que um babalorixá faz no seu culto de orixá com o merindinlogun.

Nesta etapa é determinado o que o Orixá precisa para ajudar a pessoa. O que quer que seja oferecido ao Orixá se torna uma oferenda a orixá e não mais importa como será feita. O Bàbáláwo pode fazer da forma como sabe, mas o consulente, se for de um culto de Orixá e souber o que fazer, também pode fazer a sua maneira ou de qualquer maneira que se chegue ao orixá. É aqui que entra o culto de orixá.

Os Bàbáláwos cubanos vão fazer isso da forma como aprenderam, seja em Ifá ou na Santeria, não tem problema nisso. Mas não pode haver qualquer tipo de objeção aos brasileiros poderem fazer isso da forma como aprenderam no seu culto de Orixá ou através de uma casa de Orixá.

O divino é o mesmo. Você pode através de cada religião e culto aprender formas distintas de atingir ao divino. Essa é a função da religião. Os cubanos aprenderam de uma forma e farão como sabem. Os brasileiros dos diversos cultos de Orixá podem ter alternativas a estas formas.

Mas aquele que diz, como já ouvi, que a forma se fazer uma oferenda para um determinado Orixá é somente do jeito dele representa a voz do ignorante. Pior um pouco, não respeita a sua religião ou não entende que faz parte de uma única religião.

Estou usando aqui a referência dos cubanos mas isso vale para os nigerianos e seus filhotes de criação brasileiros. É a mesma coisa.

Próximo texto da sequencia:  os babalawo e o culto de orixa

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