Jogo de Búzios e Ifá - Parte 2 de 4
O texto a seguir é continuação do assunto sobre o jogo de Búzios e Ifá
O culto a Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
No Candomblé, aliás, como ocorre com outros
irunmale (Irúnmalẹ̀), Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) é
uma figura distante pouco conhecida pelas massas, é uma figura
“cult”. Faz parte daquele enredo “secreto” que domina a
mesquinharia do conhecimento. As pessoas associam o oráculo a Exu
(Èṣù) e a Óxun (Ọ̀ṣun), mas, a Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà), é coisa para entendidos, apesar de todo
mundo achar que sabe o que é odù.
Claro que todos falam os nomes, seja Ifá como
também Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), mas sem de fato entender
o que significava que estão falando. É uma coisa chique, mas, sem
muito conteúdo.
O mesmo acontece também com Orí. Apesar de
Orí ser um nome totalmente conhecido e o Borí, certamente, a
cerimônia mais executada no Candomblé, eu não vejo com clareza as
pessoas entendendo de fato o papel de Orí na sua vida ou mesmo o
sentido de um Bọrí (Bori).
Minha análise é que isso se soma aquelas
coisas que são repetidas, por imitação, ao infinito. Digo isso
porque, apesar de todo mundo conhecer a palavra Orí, e de forma
geral, também, o seu significado na vida das pessoas, ele é no dia
a dia substituído pelo Orixá (Òrìṣà) da própria pessoa
ou por Orixá (Òrìṣà) que foram designados como
“genéricos”, como Ọ̀ṣàlá e Yemọja.
Acredito que as pessoas falam Orí, mas, no
fim, querem apenas dizer Orixá (Òrìṣà) ou que ele, Orí
seja apenas uma forma de se chegar ou representar o Orixá (Òrìṣà).
Candomblé é Orixá (Òrìṣà).
Apesar disso, essa situação já é muito boa
porque entre outras tradições da diáspora (Cuba) eles não tem nem
ideia do que é Orí e como se cultua.
Com Ifá ocorre uma coisa similar, muitos
comentam, muitos falam mas poucos conhecem de fato o culto. Ifá é
um nome genérico associado ao oráculo, seja ele qual for.
Ifá é um culto dedicado a Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà) uma divindade cujo propósito de existência
é ser o mensageiro do nosso destino.
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) entre os
irunmale (Irúnmalẹ̀) é considerado a divindade da sabedoria. Dois nomes podem ser aplicados a esse irunmale
(Irúnmalẹ̀), o de Ifá ou de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà).
Simplificando essa questão de nomenclatura, o nome Ifá é
normalmente aplicado ao sistema oracular e também ao irunmale
(Irúnmalẹ̀) e o nome Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
somente é aplicado à divindade.
Nos versos do Odù surge um outro complicador,
porque nas histórias se diz muito comumente que o próprio Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà) consulta Ifá ou então que Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà) consulta os Babaláwo, mas, ignorem isso, é
apenas figura de expressão. Ifá, além de ser uma das formas de se
referenciar a Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), é também o
contexto do saber da religião. O conhecimento sobre tudo e todos.
Assim Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) consulta Ifá.
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) é uma das
mais importantes divindades da religião Yorùbá. Sua atuação esta
centrada no oráculo e nos ẹbọ corretivos. Seu papel junto às
demais divindades e seres humanos, gira em torno da transmissão de
sabedoria e da humildade. O fato de não ser um Orixá (òrìṣà)
e também não ser um guerreiro, talvez também explique a pouca
popularidade e desinteresse do Candomblé nele, já que os Orixá
(Òrìṣà) tradicionais sempre tem, filhos de Orí (que recebem
feitura), carregam uma arma branca na mão e são representados como
musculosos e lindas beldades. Essas descrições jamais seriam
adequadas para Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), uma divindade
representada por uma pessoa frágil, fraca de força física,
extremamente paciente e que deixa o tempo resolver os assunto e, como
dizem, sem ossos....
Através de sua grande sabedoria, conhecimento
e compreensão Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) orienta a atuação
dos irunmale (Irúnmalẹ̀) da religião Yorùbá. Ele funciona como
um intermediário entre os demais irunmale (Irúnmalẹ̀) e as
pessoas e entre as pessoas e seus ancestrais. Assim ele é a boca dos
Orixá (òrìṣà) que falam através dele e do seu oráculo,
o oráculo de Ifá.
Mas a fala de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
não é uma coisa simples e direta como estamos acostumados nos
oráculos que usamos no dia a dia ou mesmo através dos guias de
Umbanda, que são tanto populares no Brasil. Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
fala através de sinais e de histórias. Suas histórias que são
metáforas, parábolas. Verdades nebulosas que devem ser
interpretadas.
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) fala sempre
através de um Odù. Existem 256 Odù e os sacerdotes de Ifá dedicam
a sua vida a aprender a entender a forma como as mensagens de
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) se manifestam através desses Odù.
Não é uma coisa simples, o Babaláwo tem que aprender os versos de
Ifá, poemas, os ésé, que contem através de metáforas os
ensinamentos e mensagens para os consulentes, e como eles se combinam
para formar a mensagem e principalmente a como interpretar isso. Além
disso, devem aprender a como fazer as rezas, os ébó, as folhas e
até sacrifícios que permitirão ao Odù atuar na vida das pessoas.
Não se pode falar de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
e de Ifá sem considerar que tudo isso gira em torno de Odù. Não
sei se todos entendem o que é um Odù porque sem entender o que é
um Odù não se entende Ifá.
Entre nós, no Brasil, Ifá é sinônimo de
Oráculo e muita gente usa assim indistintamente sem as vezes
entender a origem dessa palavra.
No culto de Ifá um babaláwo se dedica
consultar o oráculo para as pessoas e a fazer as ações decorrentes
para poder corrigir o problema que Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
viu na vida da pessoa, não necessariamente o que a pessoa estava
buscando ser respondida. Quando a gente entra no caso no qual um
Babaláwo ou um Babalorixá (Bàbálòrìṣà), atende alguém
e faz aquilo o que a pessoa quer ou que resolve o que a pessoa foi
buscar estamos na área da feitiçaria e não da religião.
Um Babaláwo não é uma pessoa para fazer
Orixá (Òrìṣà) nos outros ou cuidar de Orixá (Òrìṣà)
dos outros, para isso existem os Bàbálòrìṣà. Um Babaláwo
trabalha através de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) com rezas,
elementos simples e muito através de Exu (Èṣù) e Osanyin
(Ọ̀sányìn). Mas basicamente a vida de uma Babaláwo é
consultar o oráculo e fazer os ẹbọ e
sacrifícios que o oráculo determinar.
Existe uma coisa comum entre Ifá e Candomblé
que é a teogonia, a base da religião, que é a mesma. Ser um culto
especializado em uma divindade não muda o contexto religioso que ele
está situado. Em qualquer culto estamos tratando da mesma matriz
religiosa e nessa matriz o papel de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
tem que ser reconhecido da mesma forma.
Na nossa teologia, antes de nossos espíritos
virem para o Àiyé, no órun (Ọ̀run) nós nos
ajoelhamos perante Olódúmarè, para junto à ele pedirmos o nosso
destino, que alguns preferem chamar de objetivo de vida. Nesse
momento nós escolhemos o que queremos viver nessa vida, o que
queremos realizar e qual o nosso objetivo ao nascer no Àiyé.
Olódúmarè pode concordar com o que pedimos ou não, normalmente
concorda, ou pode ainda definir para nós outros objetivos de vida.
Essa conversa é um dos momentos mais
importantes para nós e dela poderá depender, por exemplo, qual será
o nosso Odù de nascimento, porque ele faz parte do nosso Orí e vai
ser definido para nos ajudar na vida que vamos ter aqui no Àiyé.
O nosso Orixá (Òrìṣà) também poderá ser definido nesse
momento e também será escolhido, dentro da nossa raiz familiar, de
forma a nos ajudar com nosso objetivo de vida.
O nosso Odù de nascimento não é assim um
acaso determinado por nossa data de nascimento. Ele faz parte de todo
o plano que temos para nossa vida.
Nesse ponto, cabe uma dúvida, porque o Odù
com certeza depende de nosso destino escolhido e atribuído, mas o
Orixá (Òrìṣà), não tenho certeza. Eu gosto da visão de
que o Orixá (Òrìṣà) não tem restrições no seu poder e
qualquer Orixá (Òrìṣà) que tenhamos vai nos ajudar
igualmente.
No meu íntimo essa idéia de especialização
funcional de Orixá (Òrìṣà), como as pessoas gostam e
chegam a dizer que profissão uma pessoa de tal Orixá (Òrìṣà)
deveria ter, é uma idéia meio cartesiana muito simplificadora e
racionalista e baseada na pouca compreensão que ocidentais tiveram
da religião Yorùbá, associando com o modelo Greco-Romano.
Uma outra opção, é a que nascemos com algum
Orixá (Òrìṣà) de nossa família, de Pai, mãe ou avós,
assim dentro de uma mesma linhagem, os filhos nasceriam com Orixá
(Òrìṣà) similares, presentes na sua família.
Claro que sempre que se casa com uma pessoa de
fora da família e novas opções de Orixá (Òrìṣà) são
incluídas.
Mas o importante é que como eu sempre disse,
nós aqui no aiyé somos a coisa mais importante de Olódúmarè.
Esse mundo espiritual, os Orixá (Òrìṣà) existem para nos
ajudar a viver e não para nos escravizar ou atrapalhar.
Essa nossa conversa com Olódúmarè tem apenas
1 testemunho: Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà). Assim ele é o
único que pode saber o nosso destino. Algumas outras divindades
podem fazer parte, uma delas é ajala, outra é onibode (Agberari), o
porteiro do orun (Ọ̀run). Antes de descermos para o aiyé perante
Onibode, nós falamos o nosso destino e quando pretendemos retornar.
Mas para nós aqui Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
é o ẹlẹ́rií (elerii) ìpin, testemunho do destino de
todos nós e o mensageiro divino, aquele que traz as mensagens de
Olódúmarè e de todos os Orixá (Òrìṣà). Quando em
nossa vida temos uma dificuldade que não conseguimos resolver, e
isto está nos impedindo de seguir em frente, naqueles momentos em
que não sabemos mais o que fazer, devemos recorrer a Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà) consultando o oráculo de Ifá.
Essa consulta é ao mesmo tempo um pedido de
socorro e uma resposta de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), o
ẹlẹ́rií (elerii) ìpin, que vai atuar de forma a corrigir
nossa vida para que possamos seguir com nosso destino planejado.
Essa visão é o sentido religioso para o
oráculo dentro de uma religião. Esta visão tem que ser a mesma
para o culto de Ifá ou dos Orixá (Òrìṣà). Dessa maneira
não existem 2 testemunhos, só existe um testemunho, e ele é
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), e existe para qualquer pessoa.
Assim seja no culto de Ifá ou de Orixá (Òrìṣà) você
tem que lidar com a mesma divindade, com Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà).
Baseado nessas explicações, o aspecto de Ifá
versus o Candomblé, ou o oráculo de Ifá versus o do Candomblé,
assume cores e importância. São os Babaláwo os representantes de
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) e não os Babalorixá
(Bàbálòrìṣà).
Assim antes os Babalorixá (Bàbálòrìṣà)
eram os únicos, aqueles que falavam pelo divino em todos os seus
aspectos, agora, existe uma outra instância, que tem a propriedade e
um método diferente e que coloca em cheque o Jogo de Búzios como um
Oráculo para tratar de questões profundas de nossa vida.
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