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domingo, junho 09, 2013

O conceito de axé (aṣẹ́)

O conceito de axé (aṣẹ́)

(Texto completo)

Teologia Yorùbá

O Cosmo Yoruba - Parte 11


Axé (aṣẹ́) é um dos elementos de base desta religião, um dos seus pilares, na minha opinião o principal conceito para se entender toda a religião. A religião entende que Olódùmarè quando nos cria coloca uma centelha de seu poder dentro de nós. Axé (aṣẹ́) é a energia que todos temos é a nossa quintessência e tem origem em Olódùmarè. Axé (aṣẹ́) nos liga a Olódùmarè e torna esse a divindade suprema por excelência.

O axé (aṣẹ́) é dado por Olódùmarè para todas as coisas: As divindades, os ancestrais, os espíritos, humanos, animais, plantas, pedras, rios, palavras ditas em canções, rezas e pragas. Axé (aṣẹ́) é o poder que todos temos, ou mais amplamente, o poder que tudo no àiyé possui.

 

O que é axé (aṣẹ́)?


A definição que o uso da palavra axé (aṣẹ́) recebe dentro da religião é bastante ampla e, no estilo Yorùbá, uma mesma palavra é usada para descrever muita coisa, coisas importante e menos importantes. É um adjetivo muito usado por todas as pessoas no sentido de votos de sucesso e agradecimento. É como se você transmitisse para a pessoa que você fala que ela o axé (aṣẹ́) na forma de agradecimento ou que desejasse que aquela situação tivesse o axé (aṣẹ́) nela, etc...

Além desse uso coloquial axé (aṣẹ́) é acima de tudo um pilar da religião e é isso que inclusive justifica o seu uso de forma coloquial. As palavras tem axé (aṣẹ́) de forma que desejar axé (aṣẹ́) para alguém é como se você dividisse o seu axé (aṣẹ́) com essa pessoa.

Cada ser no Àiyé, que é o mundo que vivemos, possui uma composição única de axé (aṣẹ́) que lhe foi dada por Olódùmarè. Axé (aṣẹ́) é uma qualidade, uma virtude dada por Olódùmarè de maneira que cada elemento do Àiyé tem uma propriedade ou poder distinto. No caso dos humanos entendemos que essa virtude original varia e as pessoas podem ter virtudes, ou capacidades distintas. O axé (aṣẹ́) que recebemos é distinto.

A palavra “virtude” é usada por mim aqui para descrever esse poder mágico congênito, a propriedade particular ou comum a indivíduos ou materiais.

Axé (aṣẹ́) é também a força da vida, a energia vital, que nos faz viver. Também é a força que nos faz ter a capacidade de interceder no mundo através de poderes supernaturais.

Para não complicar vamos resumir que axé (aṣẹ́) como energia ele traduz:

  • A “virtude única” que Olódùmarè nos dá
  • A energia básica que todo ser tem e precisa para viver, a força do nosso corpo.
  • A força que nos dá a capacidade de interceder no mundo através de poderes supernaturais.

Podemos entender que, vendo de outra maneira, que existe uma parte comum e uma parte especial no axé (aṣẹ́). A parte comum é o aspecto de ser uma energia vital presente em todos os seres e que nos dá a vida. Neste ponto, axé (aṣẹ́) é um elemento básico e comum.

A parte especial é a virtude que recebemos de Olódùmarè a força que temos e a a quintessência que nos permite transmitir isso.

Tudo no àiyé é um ser, não importa se animal, humano, vegetal ou mineral. O que existe tem axé (aṣẹ́) que foi dado por Olódùmarè. O axé (aṣẹ́) é uma força diferente dos quatro elementos, por isso podemos de chamá-lo de quintessência.


O Conceito de quintessência


Este termo, quintessência, pode não ser do conhecimento de todos, mas, o conceito de axé (aṣẹ́) nos remete exatamente ao conceito de quintessência que foi largamente estudada e documentada no século XIX por famosos alquimistas como Francis Barret, Agrippa e Paracelso. A quintessência era a base da alquimia que unia ciência à religião, uma vez que os alquimistas eram religiosos e tinham o conceito de deus na base de tudo o que faziam. Muitos hoje dizem que ciência e religião são opostos, os alquimistas não entendiam dessa maneira.

O seguinte texto é retirado da obra Magus de Francis Barret.

“A alma é a forma essencial, inteligente e imperecível, o primeiro moto do corpo, e move-se por si mesma. O corpo, ou matéria, não consegue ou não se presta a mover-se por si só, e perde muito das qualidades primitivas da alma. Assim, torna-se necessário um meio mais aperfeiçoado. Este meio, entende-se, que seja o espírito do mundo, ou aquilo que alguns chamam de quintessência porque não é formada pelos quatro elementos, mas por uma certa coisa primeira, superior e além deles. Há portanto a necessidade de um meio pelo qual as almas celestes possam unir-se aos corpos densos, agraciando-os com dádivas prodigiosas. …. este espírito transmite todas as propriedades ocultas para as ervas, as pedras, os metais e os animais... este espírito pode nos ser útil se soubermos separá-lo dos elementos ou ao menos usar principalmente as coisas em que abunda...”

Este conceito é a base da alquimia e da cabala divina. Axé (aṣẹ́) é exatamente isto e não estou fazendo um sincretismo. Não gosto de sincretismo e não gosto de comparações, mas, não posso nessa explicação fugir disso. Muito pouca gente estudou esse conceito de supernatural nas 2 religiões para poder fazer essas comparações que estou fazendo.

Não estou trazendo para dentro dessa religião o conceito de outra, estou apenas fazendo um paralelo porque se trata do mesmo conceito e tenho um propósito positivo com isso.

Religiões diferentes, sociedades diferentes e tempos diferentes. Ambas possuem o mesmo entendimento de uma parte do supernatural. Não estamos aqui fazendo equiparações teológicas. A religião Yorùbá usa exatamente o mesmo princípio da alquimia quando trata de axé (aṣẹ́) e dos famosos ébó (ẹbọ), que são liturgias que distribuem, repõem e transmitem o axé (aṣẹ́)..

Eu, pessoalmente, como já disse, odeio explicar alguns conceitos fazendo comparações, tenho como opinião que toda a explicação deve ser original, mas nesse caso estou fazendo isso para acabar com o preconceito em relação a esta religião Yorùbá.

Olódùmarè da a cada elemento um poder original que tem origem nele. Esse poder torna cada elemento único, distinto e útil. O momento em que isso ocorre é aquele onde ele transmite o Emi e já foi descrito anteriormente. A liturgia que ele executa é mais do que apenas dar vida ao corpo é dar o axé (aṣẹ́) ao corpo.

Por essa razão Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) não pode sozinho fazer todo o trabalho, é necessário que Olódùmarè, após Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) concluir o corpo, de o sopro de vida ao que era apenas barro como também, e principalmente, transmita sua centelha divina às suas criações o axé (aṣẹ́). Isso não pode ser feito por Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá), somente Olódùmarè pode transmitir o axé (aṣẹ́) e isso mais uma vez explica porque ele, Olódùmarè pode ter o título de ser a divindade suprema da religião Yorùbá.

O momento em que ele faz o mesmo com as demais formas, vivas ou não, não é explicado. Apenas a criação dos homens é definida, mas, devemos supor, por ilação que de alguma forma cada elemento vivo no àiyé recebe de Olódùmarè o seu axé (aṣẹ́).

Vejam o seguinte texto feito por mim por há muitos anos baseado nas ideias da alquimia:

Assim as pedras, metais, animais e ervas tem cada uma sua própria virtude que é herdada das inteligências ordenadoras e este é o ponto que nos interessa. De acordo com este princípio os elementos tem suas características criadas por deus, controladas pelas inteligências e que lhes são transmitidas pelos elementos e astros. Há portanto, uma virtude e um funcionamento em cada uma delas, mas são maiores no astro que as governa ou no elemento que a compõe.

As virtudes são justamente as características mágicas que buscamos nestes elementos de segunda ordem para podermos obter através da transferência destas virtudes para as pessoas nas quais trabalhamos. Assim virtudes não são as características físico-química dos elementos que lhes atribuem a aparência, beleza e valor, mas, sim a sua força mágica que foi designada por deus.

A alma é a forma original e essencial, mas esta precisa ter os seus poderes atribuídos às coisas, e isto se dá através do quinto elemento, ou quintessência, que é transmitido às pedras e cristais através do sol, da lua e dos atros e emprestam a estas as suas propriedades ocultas.

Desta maneira o poder dos elementos é um desígnio divino, criado por deus que é armazenado nestes através do elemento que os influenciam. Sempre será maior no astro que a rege e isto é muito importante e deve ser observado ao se analisar quando e como algo deve ser feito, porque tanto maior será o efeito mágico da pedra quanto intenso for o astro ou elemento que lhe dá a sua virtude.

Por esta explicação de origem alquímica, nós entendemos que os poderes dos elementos lhes são inerentes e dados por deus sendo assim importante sua permissão e autorização antes de serem operados. O operador como parte deste sistema de energia e sendo também em seu corpo um armazenador de virtudes e também do quinto elemento, usa a essência deste último canalizando-o para transmitir as virtudes destas para quem recebe. A pessoa que recebe esta energia vai através da sua própria quintessência transmitir a seu corpo as virtudes recebidas sendo então beneficiado por elas.

É uma explicação complexa mas que unifica as verdades das anteriores bem como estabelece a importância de se entender o papel dos atros e elementos no entendimento da magia das pedras.

Baseado no que já foi dito eu posso dizer simplesmente que os elementos são como baterias que armazenam e concentram a energia da Terra, onde entende-se Terra como o espírito do mundo.


Eu não teria, hoje, uma forma melhor para explicar o que é axé (aṣẹ́).

Os alquimistas foram mundanamente conhecidos por buscar transformar chumbo em ouro. Eles o faziam, mas não compensava, porque para transformar um metal em outro você precisava primeiro capturar as propriedades do material original, através do processo alquímico que eles desenvolveram e depois transmitir para o outro metal. Mas o processo não compensava a quantidade resultante era equivalente a inicial, assim não compensava fazer isso.

Mas a alquimia não se resumia a isso, transformar metal, e sim capturar as propriedades dos materiais e transmitir para outros. O foco da alquimia era a pedra filosofal que servia para muitas coisas inclusive trazer saúde e vida.

Alquimia era a ciência de entender como deus criou o mundo e usar o poder que deus deu às coisas para trazer benefícios para a humanidade. Um alquimista era um cientista de deus, assim como o é um Babalawo.

Na religião Yorùbá fazemos o mesmo processo. Entendemos as criações de deus, de Olódùmarè, capturamos o axé (aṣẹ́) das coisas e transmitimos para os seres que necessitam dele. Esta é a essência do que fazemos nas liturgias reparadoras.

Mas vamos deixar os alquimistas para trás, já serviram para ajudar na explicação que interessa aqui e nos aprofundar na forma como usamos o axé (aṣẹ́).

 

O objetivo das liturgias


A ideia de axé (aṣẹ́), repito sem exageros, é o núcleo desta religião. Todo elemento da terra tem axé (aṣẹ́), ele é um elemento necessário para a vida e a sua falta, ou excesso é o que nos traz problemas, sejam eles de saúde, mentais e mesmo de sorte na nossa vida.

É fácil entender que, o que nos traz desequilíbrio é aquilo que nos prejudica. Trazer de volta o equilibro para nossa energia e por consequência para nossa vida, é o que e as liturgias da religião Yorùbá fazem através de suas operações, os Ebó (ẹbọ) e as oferendas votivas.

Fica assim desvendado o primeiro mistério sobre as liturgias do Candomblé. Todos eles, sem exceção, são voltados para trazer o equilíbrio ao axé (aṣẹ́). O resto necessário para solucionar os seus problemas, você faz sozinho. Qualquer objetivo que as pessoas se disponham a realizar, através das liturgias, além deste não é mais religião é uma pratica qualquer.

O que permite as liturgias atingirem esse objetivo é porque o axé (aṣẹ́) como força mágico e sagrada tem muitas algumas propriedades importantes que vou explicar aqui. A primeira delas é que ele pode fluir entre os elementos, de maneira que você pode transmitir ou repor.

Ele pode ser coletado de uma fonte e aproveitado em outra, repondo a energia vital de quem necessita ou utilizando a virtude divina, que traz uma propriedade adicional e necessária para a pessoa que recebe, e que o elemento cedente possui. Folhas, por exemplo, são conhecidas por suas propriedades terapêuticas.

Todos os elementos, dos minerais aos animais, são fonte de axé (aṣẹ́) de diversas naturezas e tipos de uso. Em alguns casos precisamos deles como fonte da energia vital em outros precisamos da virtude especial que eles tem, que lhes dá um caráter terapêutico único, seja para questões naturais como supernaturais.

Vejam, essa última frase é simples, pode ter passado despercebida, mas é muito importante. Através das liturgias podemos endereçar tanto as questões ligadas a problemas naturais, como doenças, como também problemas ligados a alma e espírito que pertencem ao supernatural. A religião vê o ser humano de uma forma holística e tem uma concepção mais ampla do que por exemplo a medicina e outras ciências tem que somente conseguem ver as questões naturais. Lembro que muitas culturas orientais, ligadas ou não a religiões, também tem uma visão mais holística do nosso ser.

Mas religião não substitui medicina e muito menos concorre com ela. Apenas podemos endereçar coisas naturais quando elas também tem causa em questões supernaturais. Ao removermos a raiz do problema, resolvemos ou ajudamos a resolver as consequências, que são as manifestações visíveis.

A intensidade dessa força vital, o axé (aṣẹ́), nos seres vivos pode variar, aumentando ou diminuindo. Ela é sujeita a erosão do tempo e do seu uso contínuo e direcionado. Quando isso ocorre o elemento que o contêm perde sua energia. No ser humano a perda de axé (aṣẹ́) poderá levar a enfraquecimento, doenças, desequilíbrios emocionais e físicos.

Esses desequilíbrios e doenças é que trazem os problemas e desestabilizam a vida da pessoa. Eles são a causa raiz. Os problemas que você passa advém das consequências da sua perda de axé (aṣẹ́), são sintomas. É como um dominó. Uma primeira pedra é derrubada e esta pedra derruba a próximo e esta a próxima e assim vai.

O que fazemos na religião e no nosso oráculo não é olhar para as últimas pedras que foram derrubadas e sim para a primeira, a que derrubou todas as demais.

Não adianta nada você gastar esforço para colocar as últimas peças do dominó em pé se o problema tem origem bem antes. Você coloca ela em pé isso dura um tempo e logo depois elas vão cair de novo.

É neste momento entra em ação o oráculo da religião, seja o de Ifá como o eerindinlogun.

Na religião Yorùbá é o oráculo que se encarrega de detectar o problema que causa a perda ou excesso de axé (aṣẹ́) e também de indicar as liturgias que são necessárias para fazer o seu equilíbrio.

O oráculo religioso não é um instrumento de previsão do futuro ou de solução de problemas. Essencialmente é um instrumento para detectar e devolver o equilíbrio do axé (aṣẹ́) das pessoas.

Lembre-se que nesse momento trabalhamos com 2 princípios, o primeiro é a reposição de energia vital ou o seu equilíbrio. O segundo é que os materiais possuem as virtudes especiais, aquelas propriedades divinas e que serão obtidas através da liturgia, transferindo elas para a pessoa que precisa.

O processo não é apenas uma operação de “ligar você na tomada” para repor sua energia. Passa por mais coisas. A primeira é a questão das virtudes e que determina por exemplo os materiais que serão usados e o que processo será utilizado. Essas virtudes trazem coisas que precisamos para resolver os problemas.

Se você entendeu até aqui, ótimo, caso contrário reveja o texto para ter certeza que esta compreendendo o que é o axé (aṣẹ́), o que eu chamo de virtude, como o axé (aṣẹ́) se caracteriza (os tipos) e como ele é obtido e usado.

As liturgias, além de reporem a nossa energia e usar as virtudes especiais dos materiais que fazem parte de cada procedimento, lançam mão ainda 2 outras coisas, a primeira é a atuação do divino, ou seja das divindades, e a segunda é a ação da magia que pode mudar coisas no mundo natural.

Um sacerdote não é um médico. Ele é um religioso, mas, como já disse a religião tem uma visão holística de nossa vida e corpo. Entendemos que ao restabelecer o equilíbrio das energias do nosso corpo, ao repormos o axé (aṣẹ́) e ao eliminarmos as causas que levam a essa perda, estaremos dando condições para que o próprio corpo se reestabeleça.

Isso é feito com a ajuda divina, de Olódùmarè e também usando as fontes de axé (aṣẹ́) que Olódùmarè colocou no Àiyé, uma vez que, como já expliquei, não podemos criar axé (aṣẹ́) do nada, temos que obtê-lo de uma fonte natural.

O oráculo é o instrumento que o Bàbáláwo usa para fazer isso. Esta é uma explicação bastante visceral de um oráculo, mas, acreditem, é isso mesmo.

É o entendimento desta religião que o axé (aṣẹ́) deve ser equilibrado. Tudo é feito para que este equilíbrio seja atingido e que a pessoa possa desta maneira levar sua vida de forma normal, superando com força, determinação, trabalho e persistência os seus obstáculos e perseguindo os seus objetivos.

Nas liturgias e oferendas. Os materiais usados são a fonte do axé (aṣẹ́) que será transmutado e transmitido na forma da quintessência. As divindades não comem as oferendas e muito menos precisam delas, nós precisamos. A escolha dos materiais e elementos depende da finalidade e também da divindade, cada divindade tem afinidade com determinados tipos de elementos.

Quando realizamos um Ebó (Ẹbọ) não estamos fazendo um processo científico, tudo na religião é feito através das divindades, dos orixá (Òrìṣà), que foram as divindades colocadas por Olódùmarè para cuidar da gente aqui no àiyé. A realização da liturgia e a conversão das oferendas votivas em axé (aṣẹ́) depende da intervenção do divino. São as divindades que intercederão por isso.

Veja, os próprios alquimistas também trabalhavam com o mesmo princípio. No que pese uma aparente base científica no que eles faziam, de fato nada aconteceria sem o divino, sem a intervenção de deus e dos anjos.

O sacerdote é uma pessoa preparada para fazer o que faz, e vou falar sobre isso mais adiante. Mas, mais do que somente ele, o divino atua junto com ele e através dele para que as coisas funcionem.

Dessa forma, mais do que estarmos repondo energia perdida e usando virtudes, é o divino que a partir de nossas orações e de sua presença constante faz com que isso funcione e atue da maneira adequada, nós, somos intermediários entre o àiyé e o Órun (ọ̀run).

É importante lembrar, por fim, que Ebó (ẹbọ) é uma palavra meio genérica, que é usada para mais de uma coisa (estilo Yorùbá...). Assim pode ser uma oferenda ou uma liturgia. Oferendas sempre são usadas para dar axé (aṣẹ́) que será usada para a pessoa ou para alguma ação de magia. Os Ebó (Ẹbọ) pode ser procedimentos para retirar energias negativas, dar energias positivas, retirar excesso de energia positiva ou usar as virtudes com objetivos terapêuticos seja para o corpo ou para a alma.

 

O axé (aṣẹ́) e os materiais


Não conseguimos gerar axé (aṣẹ́) do nada. Temos que obtê-lo de uma fonte deste mundo. Axé (aṣẹ́) é uma exclusividade de Olódùmarè. Neste momento entra a nossa ética e sistema de valores para balizar as escolhas. Como eu disse, tudo o que existe é criação de Olódùmarè, somos mais uma delas e Olódùmarè não tem preferencias.

Não é verdade que a religião Yorùbá seja baseada no uso de animais como fonte de axé, isso é uma tolice. Animais são muito caros e vida se trata com respeito, mesmo que seja para ajudar a outra vida. O que se faz é de uma religião inteira, complexa e com conceitos extremamente positivos pegar apenas um detalhe e usá-lo de forma arbitrária e questionável. Isso, principalmente, vem de religiões que são extremamente pobres na forma de ver a felicidade da vida das pessoas na terra.

Os materiais usados na religião Yorùbá são esmagadoramente grãos, frutos, castanhas, raízes e principalmente folhas. Tudo isso nesta religião é sacrifício. Sacrifício é o ato de usarmos uma coisa com o objetivo de dar a outra. Assim sacrificamos folhas, sementes, castanhas, vegetais, legumes e inúmeros outros materiais. Tudo isso é sacrifício e é usado para obter energia vital e virtudes.

Seres vivos também são portadores de axé (aṣẹ́), um tipo bem especial e intenso. Em alguns casos essa fonte é necessária. Mas isso não é o comum, é bem especial e seu uso litúrgico ocorre em casos especiais e para pessoas especiais. O seu uso como fonte de axé (aṣẹ́) é necessário, mas, por inúmeras razões deve ser criterioso.

Muitos podem, neste momento, dizer que estou diminuindo a proporção das coisas e tapando o sol com a peneira. Não, não estou. O problema é que existem coisas que a maior parte das pessoas desconhece ou não quer ver.

A primeira coisa é que não sendo você vegetariano, e existem muitos poucos que o são, você consumirá diariamente bastante proteína animal para viver. Milhões de animais são sacrificados diariamente para atender a sua vontade ou preferência de consumir proteína animal. Esses sacrifícios são feitos, então, porque você come proteína animal. Animais são criado exclusivamente para serem consumidos, vivem em condições desumanas e são sacrificados ainda em procedimentos péssimos. O mercado de carnes especiais gera um pocesso de tortura na criação dos animais.

As pessoas fingem que isso não existe e cinicamente acham que os frangos já nascem congelados ou o boi já nasce fatiado. Essas pessoas são as primeiras a se levantar porque por acaso isso é feito de forma muito mais decente dentro de uma religião. Se levantam por nada, apenas por preconceito, porque elas não fazem piquete na frente de um abatedouro de frango ou de animais.


Ja ouvi gente dizendo que não se incomoda com isso porque ele não ve os animais sendo mortos, somente vê eles prontos no supermercado. Isso me parece hipocrisia. Não se preocupam com os animais que comem mas se dão ao trabalho de se preocupar com uma religião que por acaso abate os animais que consome.

Inúmera religiões incluem em seus rituais o uso de animais. Os judeus fazem isso seja como liturgia ou no seu dia a dia. A comida kosher é prepara liturgicamente por sacerdotes e os judeus as compram para o seu dia a dia. Algumas tribos judaicas até hoje fazem sacríficos litúrgicos a deus, a Jeová, o mesmo deus dos católicos. Chama-se Holocausto. Somente as tribos que usavam o templo de salomão pararam de fazer sacrifícios com regularidade, mas tribos como os Samaritanos, nunca usaram o templo de Salomão e por isso nunca interromperam. Os frangos abatidos no Brasil e exportados para os árabes passam um por uma liturgia para que esse sacrifício seja feito da forma como a religião requer. Os católicos sacrificaram inúmeras pessoas acusadas de heresia ou bruxaria em nome de seu deus. Dezenas de outras religiões usam as oferendas como forma de compartilhar sua prosperidade com deus.

Assim, nesse mar de casos, quando se fala da religião Yorùbá, como o Candomblé, a única coisa que as pessoas lembram é que também se faz a mesma coisa que os outros fazem. Nada mais interessa. Parece que as pessoas nesta religião vivem para matar bichos.

Existem um fator que poucos conhecem e é bem simples. Muitas casas incluem o uso de animais em trabalhos apenas porque as pessoas precisam comer carne. Só por isso.

Entenda dessa maneira, consumir carne não é crime, somos onívoros e comemos vegetais e carnes. Uma casa, as vezes sustenta muitas pessoas e os trabalhos que são feitos, principalmente para clientes (pessoas externas à casa) servem majoritariamente para repor a dispensa da casa. Parece engraçado e é mesmo. Os não membros de uma casa pagam para a subsistência das pessoas da casa, nem sempre com dinheiro, também com dinheiro, mas principalmente com materiais que são usados no que é pedido.

Uma casa de candomblé, principalmente as mais antigas e tradicionais, tem dentro delas uma grande comunidade de pessoas descendentes dos fundadores. Essas pessoas vivem ali e as vezes somente se dedicam à religião, como os monges e freiras. Essas pessoas precisam comer diariamente. Um dos principais motivos de uma casa abrir suas portas para atender, através do jogo de búzios, clientes, é para ter dinheiro e alimento para essas pessoas.

As pessoas então tem a impressão de que animais sempre são incluídos ou fazem parte do Candomblé, não fazem, na maior parte dos casos são acessórios colaterais, não seriam necessários.


Deixando de lado essa questão dos animais, o axé (aṣẹ́) será coletado de folhas, sementes, castanhas e alimentos crus ou cozidos. Quase tudo é fonte de axé (aṣẹ́). A escolha de cada um desses materiais e a sua combinação esta ligada a necessidade, a virtude que eles tem e à divindade que intercederá pela pessoa.

Cada divindade tem um conjunto de materiais que são parte da sua afinidade e outros que não. A maior parte dos materiais é comum, mas, existem tanto uma lista de preferência como de proibições.

As folhas são um dos materiais mais importantes na retirada do axé (aṣẹ́) e também mais poderosos. Praticamente nada se faz sem folhas ou sementes. Cada folha tem uma finalidade litúrgica que faz com que elas sejam usadas na forma bruto ou através do seu sumo.

Existem pessoas que defendem que tudo pode ser resolvido apenas com folhas. Esse é uma questão antiga e em Ifá consideramos que o sacrifício é mais forte do que as folhas e que sem o alimento do sacrifício as pessoas perecem. A verdade é que sem folha não existe resultado certo.

 

O axé (aṣẹ́) e as Iniciações – O poder que se ganha




Além da questão de repor o axé (aṣẹ́), que eu já comentei muitas vezes, temos também as virtudes, ou poderes, que podem ser transmitidos de um material para outro. Não se trata de repor a energia perdida mas de ganhar um tipo de energia e poder que a pessoa não tinha, vinda de outra pessoa ou elemento dando a essa nova pessoa uma capacidade que ela não possuía, trata-se do axé (aṣẹ́) transmitido.
Liturgias e iniciações tem esse efeito de transmitir axé (aṣẹ́) e qualidades. Um sacerdote passa por um longo processo iniciático onde gradualmente irá receber poderes e capacidades que não tem. Esses poderes serão as ferramentas de seu trabalho no seu dia a dia.

Toda liturgia feita por um sacerdote é um processo complexo que envolve a fonte de axé (aṣẹ́), a sua capacidade de operar com isso (o axé (aṣẹ́) que ele possui) e a participação do divino que o suporta e auxilia nesta tarefa.

A capacidade de fazer determinadas liturgias e de ser este intermediário na transmissão do axé (aṣẹ́) enquanto energia, é um axé (aṣẹ́), uma virtude que se adquire através do processo de iniciação e formação.

Da mesma forma como se é intermediário na transmissão do axé (aṣẹ́) também o sacerdote, ou operador da liturgia, transmite o seu próprio axé (aṣẹ́). A pessoa que faz é também afetada pelo procedimento. Isso vai requerer que ele também se submeta regularmente a um processo de reposição e equilíbrio, essas pessoas não estão acima da lei natural que rege todas as coisas. O trabalho delas gera um desgasta continuo que deve ser corrigido sob pena de esta própria pessoa se prejudicar.

Os processos iniciáticos que existem dentro da religião Yorùbá tem como objetivo preparar o iniciado e futuro sacerdote para poder atuar como o intermediário entre o Órun (ọ̀run) e o àiyé, na manipulação do axé (aṣẹ́) e da energia dos Odù que é uma outra forma de energia divina que é explicada em outro texto. Para poder ser o intermediário dessas operações de magia, transmutação, condução e transmissão de axé (aṣẹ́) o operador necessita algumas vezes receber capacidades e habilidades que são transmitidas por outra pessoa.


Este é outro conceito muito importante na religião o do axé (aṣẹ́) transmitido. O axé (aṣẹ́) enquanto virtude e capacidade litúrgica para lidar com o divino deve ser transmitido de pessoa a pessoa. Um sacerdote pode ter nativamente algumas capacidades, isso esta ligado a sua herança pessoal e familiar, ao seu orixá (Òrìṣà) e ao seu destino na vida. Mas, outras capacidades necessárias para lidar com essas energias divinas devem ser transmitidas de outra pessoa que já as possui. Isso é necessário devido a estarmos lidando com forças supernaturais poderosas e para segurança das pessoas que recebem o que ele faz e eficácia do que ele faz é necessário que a pessoa receba o axé (aṣẹ́) para poder trabalhar.

O que estou dizendo é que uma pessoa para poder operar com o divino, ser o operador, seja Bàbálorixá ou Bàbáláwo, deve ter o axé (aṣẹ́) necessário para isso, e isso é parte de um processo iniciático e hereditário. O sacerdote fará parte de todo uma linhagem de outros sacerdotes. Essa herança na forma de axé (aṣẹ́) é a virtude de Olódùmarè que ele deve possuir para poder operar com as energias de axé (aṣẹ́) e de Odù.
Não se pode dar o que não se recebeu.

Essa é uma frase muito simples mas que resume extremamente bem o que estou explicando. A pessoa precisar receber o axé (aṣẹ́) que vai transmitir. No caso do sacerdote que vai fazer liturgias mais complexas do que as oferendas votivas, ele precisa ter recebido o axé (aṣẹ́) para proceder aos Ebó (Ẹbọ) e sacrifícios. Ele não pode se autodoar esta capacidade. Na maior parte dos casos ele mesmo erá que ter passado pelas liturgias que vai executar.


É verdade que algumas pessoas já nascem com algumas capacidades, mas isso não cobre tudo o que é necessário. É a iniciação que molda e complementa esta capacidade dando a essa pessoa a virtude divina na forma de axé (aṣẹ́). Além disso a pessoa precisa adquirir conhecimento para fazer as liturgias.

Se submeter a liturgias e Ebó (Ẹbọ) com pessoas que não tenham recebido isso, que não tenha ganhado o axé (aṣẹ́) para fazer isso é se submeter a um processo instável com uma pessoa que pode não ter nem o conhecimento nem a capacidade de fazer o que se propõe. Você se arrisca a jogar tempo ou dinheiro fora e pior, piorar sua situação.

 

O axé (aṣẹ́) nas palavras e símbolos


Como na alquimia, a religião Yorùbá deposita axé (aṣẹ́) nas palavras orações e selos.

O processo de Ifá é baseado em versos que invocam forças primordiais do supernatural. As palavras tem axé (aṣẹ́) e devem ser faladas e voz alta. Nomes são importantes e as orações são fundamentais para a ligação Órun (ọ̀run) e àiyé.

Esse princípio de que palavras e orações tem poderes mágicos existem em muitas religiões. Os mantras são baseados nisso, os encantamentos são baseados nisso também. Os Yorùbá entendem que palavras são pronunciadas por nós e transportam nelas o nosso axé (aṣẹ́).

Outro aspecto são os símbolos ou selos. Eles estão presentes em Ifá e não no culto de orixá (Òrìṣà). Ifá baseia o seu processo de magia e energético nas orações, palavras na forma de versos e também nos símbolos gráficos dos Odù. Esses símbolos são “selos” que invocam a força divina. Nesse caso não podemos dizer que seja axé (aṣẹ́) eu prefiro qualificar como um outro conceito de energia divina que não vou explorar aqui.

Veja o axé (aṣẹ́) esta presente em nós, seres e objetos, sua fonte e uso é como já foi descrito, mas, existe uma força adicional que é o poder divino, o poder que tem os orixá (Òrìṣà) para interferirem no nosso mundo e que vem junto com os Odù e invocados através das marcas de Ifá.

 

A magia como parte da religião



Magia é transformação; Transformação é magia; Toda magia é mudança; Toda a mudança é magia. (Scott Cunningham)

As soluções de magia, através do axé (aṣẹ́) são possíveis, mas, não são o foco da religião, são um efeito colateral da manipulação do axé (aṣẹ́).

Magia é um processo natural de se lidar e trabalhar com elementos e energias naturais. Podemos considerar que uma magia é realizada quando efetuamos uma modificação de qualquer condição no mundo através de um ritual. Isto não é nada mais do que você focar o seu desejo na intenção de alguém ou alguma coisa e mobilizar o supernatural para isso.

Essa religião acredita em magia como um poder inerente de todos nós, como uma capacidade dos orixá (Òrìṣà) e um instrumento legítimo de uso. É algo que Olódùmarè nos deu e devemos usar para ter uma vida melhor.

Não existe nada de engraçado e pequeno nisso. Pequeno é quem não acredita em magia, quem acha que o mundo é apenas o natural e que a razão e física dirigem o mundo. Essas sim são pessoas pequenas ante a grandiosidade do mundo criado por Olódùmarè. Não entenderam onde vivem.

O uso da magia é um processo legítimo de nos socorrer em nossas necessidades. Ela é feita através da manipulação do axé (aṣẹ́) e do poder dos orixá (Òrìṣà). Lembro a todos que esta religião estabelece que vivemos no àiyé porque queremos. A gente vive para ser feliz e não para sofrer. A divino nos assiste nessa caminhada de vida nos ajudando a ser felizes. A magia é parte disso.

Através do processo de aquisição e manipulação do axé (aṣẹ́) podemos obter resultados que modifiquem a realidade. Isso é feito para o nosso bem. As liturgias além de buscarem o equilíbrio da pessoa também buscam sua felicidade. A felicidade é o objetivo final os demais são meios e insumos para isso. Neste sentido restaurar a capacidade do indivíduo viver e autonomamente é uma prioridade e também o uso da magia como forma de remover obstáculos e situações negativas.

A ética da religião e dos orixá (Òrìṣà) determinam o que pode ou não ser resolvido por magia. Existem coisas que nos mesmos plantamos e trouxemos para a nossa vida. Essas coisas vamos ter bastante trabalho para nos livrar porque boas ou más elas nos pertencem. Passamos anos criando aquela situação ou aquele problema e depois queremos que umas bolas de farinha resolvam? “Nem a pau”

Outros problemas ou situações não nos pertencem, foram trazidas por outras pessoas ou por situações normais da vida. Essas serão mais facilmente resolvidas pela Magia.

Atentem que desde tempo muito antigos a magia sempre esteve presente na civilização humana. Magia não significa malefício. O Malefício é quando você traz o mal ou o prejuízo de outra pessoa. Na Inglaterra pre-inquisição, antes do século XV, a magia era uma pratica corrente e visava a saúde das pessoas e o seu bem. Nunca foi um crime. O crime residia no malefício causado a outras pessoas. As feiticeiras poderiam ser processadas e presas por causa do malefício causado pela sua magia.

No caso da religião Yorùbá temos a mesma coisa. Temos o processo visando o bem, mas, podemos ter pessoas que usam dos mesmos elementos e instrumentos para causar o mal a outros ou fazer atalhos na vida das pessoas que os pedem causando para isso problema para outros. Essa é a prática que é usada pelas pessoas que transformam em comércio a sua religião.


O malefício não é objetivo ou parte desta religião. Se ele ocorre é por desvio de ética de quem se propõe a fazê-lo e o desvio existe em quem faz e em quem pede, de forma igual. Os 2 são pessoas ruins.

A energia nuclear, por exemplo, pode ser usada para o bem, gerando perenemente energia para alimentar cidades, mas, também pode ser usado como elemento destrutivo. Assim foi com outros elementos como a pólvora, nitroglicerina, combustíveis, etc..

Um desvio negativo ocorre quando o crente ou sacerdote passam a ver isso como a única coisa que fazem dentro da religião. Sem dúvida a prática desta pessoas deverá, sim, ser considerada fetichista e animista. Sempre será assim quando a pessoa não se ligar aos elementos de mais alta ordem e ficarem apenas com só elementos menores.

Nesse caso podemos esquecer a pratica da religião e considerarmos que existe ali apenas a comum, corriqueira e baixa feitiçaria. As casas de Candomblé abrem suas portas para ajudar pessoas que não sejam membros no sentido de obterem dessa atividade uma fonte de renda e subsistência para suas atividades e membros. Mas o que ela deve oferecer é a ajuda, o bem, a saúde e a recuperação da esperança na vida.

Em princípio uma casa de orixá (Òrìṣà) deve se focar nos seus membros e no bem deles. Os membros devem sustentar a casa e mantê-la funcionando e a casa deve presar pelo bem dos seus membros. Em alguma escala e alguns casos a abertura da casa para não seguidores é necessária, mas, isso não deve ser a regra.

Nos dias de hoje as pessoas tem acesso a educação e formação e normalmente terão um emprego para mantê-las sem que a religião seja a sua única fonte de receita. Pessoas que se dizem Babalorixá e não tenham sido capazes de ter uma profissão para mantê-las e a casa que construíram devem ser vistas com muito cuidado, porque podem apenas ter uma fachada de religião para sustentar os seus feitiços.

No caso de Bàbáláwo é bem distinto. Eles não são do culto de orixá (Òrìṣà) e seu objetivo a atender às pessoas comuns.

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