A matriz religiosa afro-brasileira
Esse
blog fala de Candomblé e Ifá mas existe um tema importante que é o
que esta além do Candomblé no Brasil.
O
candomblé, como já é extensivamente explicado em outro texto
deste BLOG, é o culto de Orixá (òrìṣà) no Brasil. Ele é
composto, na verdade não por uma unidade, mas sim por vários cultos
distintos e estes tem raízes religiosas bem diferentes, isto é,
cultos que representam matrizes religiosas originais distintas e por
esta razão não deveriam ser nomeados juntos. Mas, aqui no Brasil,
essa diversidade religiosa afro-brasileira recebeu o nome comum de
“Candomblé”.
É
importante estar atento para o fato de que nem tudo que faz parte da
dita matriz religiosa afro-brasileira é Candomblé.
Sobre
religiosidade afro-brasileira, temos que lembrar que a África é um
continente e falar de África como a gente fala é por princípio um
grande erro. Quando falamos de afro ou África estamos nos referindo
a influência de um conjunto restrito de etnias da África central, a
África das florestas. Não estamos falando da saariana ou da áfrica
oriental e muito menos da meridional, a das savanas, estamos falando
da subsaariana, a África negra.
A
África não é um continente homogêneo e muito menos negro, nós
nos referimos aqui como se a África negra, a subsaariana, a África
das florestas, resumisse tudo. Se fossemos ser corretos, ao falar de
matriz religiosa afro-brasileira deveríamos incluir o judaísmo e o
islamismo.
Assim,
nossa matriz afro-brasileira está ligada a África negra,
subsaariana, porém mais restrito ainda, estamos nos referindo ao
golfo do Benin, um pedaço pequeno da África, porque foi desta área
que vieram os grupos étnicos que vieram para o novo mundo, para o
Brasil, através da diáspora negra.
Na
matriz afro-brasileira também se inclui o grupo Bantu, do
Congo-Angola, mas esse grupo tem uma influência muito pequena nessa
matriz.
A
matriz afro-brasileira é bem maior do que o Candomblé, este, o
Candomblé, é apenas o grupo religioso mais conhecido em grandes
centros do sudeste. Existem muitos outros cultos afro-brasileiros.
Eu
recorri a algumas fontes formais para não cometer muitos enganos e
achei uma boa variação, o que mostra que, de fato esse é um
assunto que merece ser abordado. Não existem um consenso muito fácil
no assunto.
Eu
usei o bom sendo, a pesquisa complementar e a minha vivência para me
posicionar aqui nesse texto.
O
que é fácil de ver é que todo mundo fala de boca cheia e existe
pouca ou nenhuma precisão sobre o que estão falando. Matriz
religiosa afro-brasileira virou um daqueles adjetivos para descrever
qualquer coisa que você não quer se dar o trabalho de aprender ou
entender.
Minha
lista de tradições de religiões da matriz afro-brasileira é:
No
norte:
- Babaçuê (PA)
- Tambor-de-mina (MA, PA)
No
nordeste:
- Xangô ou Nagô (PE)
- Culto egungun (BA)
No
sudeste
- Candomblé Jeje (BA, RJ)
- Candomblé Ketu (BA, RJ, SP)
- Culto de Ifá (RJ, SP)
No
sul:
- Batuque (RS)
Não
estou preocupado com as reclamações e contestações sobre essa
lista. Faça a sua. Eu fui muito cuidadoso ao montar a essa aí. Tive
o cuidado de excluir tradições que já estão extintas.
Observem
que o Candomblé é apenas uma parte disso. No norte e nordeste temos
3 tradições diferentes e mais a casa das minas que não vou incluir
porque ela não tem futuro. O Xambá já foi descrito de forma
separada e era uma tradição religiosa de Pernambuco, mas é
considerado extinto.
O
Candomblé, possivelmente a mais conhecida tradição
afro-brasileira, deve ser entendida primeiro a partir de suas 2
tradições, A tradição Jeje e a tradição Yorùbá. Ambas tem
sub-divisões, sendo no caso Yorùbá com o Ketu, o Efon o Ijexá e
outros. No Jeje temos o Mahi e o Savalu.
Eu
não tenho muita informação sobre as demais, esse assunto de
tradições religiosas é amplo demais e documentado de menos. É
muita informação dispersa. O Batuque do sul, por exemplo, tem umas
3 ou 4 subdivisões.
O
assunto tem um emaranhado de sub-divisões e pouca clareza para ser
abordado, é muito fácil gerar complexidade e confusão sobre o
tema.
Assim,
uma vez explicado o panorama, minha contribuição para entenderem é
a seguinte:
Estamos
tratando de uma influência religiosa que teve origem na região da
áfrica central subsaariana, na verdade mais fortemente da África
Ocidental e mais especificamente do Golfo do Benin. Essa é a origem
das religiões que geraram tradições religiosas aqui no Brasil, a
fonte do que estamos tratando disso é uma região bem específica, o
Golfo do Benin.
Existe
também uma outra área de origem de influência, bem menor, na
África central, a África das florestas úmidas, uma origem baseada
no povo Bantu, que trouxe para o Brasil a Quimbanda. O povo Bantu é
muito numeroso na África, certamente é o maior grupo étnico mas
esse grupo, depois da diáspora negra, não influenciou nenhum lugar
para onde foi, diferente do grupo Yorùbá, que em todo lugar que se
estabeleceu ele criou raízes e influenciou a sociedade.
Esse
comentário é baseado em fatos e análises. Os Bantu e suas divisões
foi a etnia das primeiras levas de pessoas escravizadas que foram
enviadas ao novo mundo. Milhões vieram ao Brasil. Foi o primeiro
grupo e mais numeroso.
Contudo,
aqui no Brasil como em todo lufar que foi o grupo Bantu não gerou
impacto social relevante em nenhum destino se comparado com o grupo
Yorùbá que para onde foi criou marcas na sociedade, seja com
cultura, arte, ou religião.
A
influência religiosa do grupo Bantu no Brasil é de nenhuma a muito
pobre. Os Bantu trouxeram o que foi chamado de Quimbanda, Quiumbanda,
ou macumba, uma prática de feitiçaria que foi extinta ao longo do
século XX e totalmente absorvida pela Umbanda.
O
grupo Bantu não trouxe uma religião. Certamente esse culto de
Quimbanda poderia ser listado coo parte da matriz afro-brasileira,
independente da sua qualidade, mas, isso acabou, eles tiveram que
virar Umbanda, para a infelicidade da Umbanda.
Do
grupo relevante para a matriz, o do golfo do Benin, vieram 2
religiões distintas, a do grupo Yorùbá e a do Grupo Jeje. Quando
digo religião diferente é porque é isso mesmo, religiões
distintas.
A
matriz religiosa afro-brasileira é composta assim de tradições
ligadas a essas 2 raízes religiosas separadas.
As
tradições religiosas
derivadas dessas raízes religiosas, se
dividem geograficamente no
país
(norte, nordeste, sudeste e sul) e essas tradições são composta
ainda
por
subgrupos. Esses
sub-grupos, como hoje são mais comuns os grupos do Ketu e Efon tem
ainda outras divisões ligadas as origens históricas, as casas
matrizes.
Dessa
forma se
estamos falando de Candomblé Ketu, temos ainda mais divisões, que
são as raízes das casas, os
axés, que
geram outros sub-grupos com variações na prática ritualística.
Simplificando bastante, temos casas ligadas ao Axé da casa branca,
do oxumarê, do apo afonja, etc…
Ainda
no grupo Yorùbá temos a tradição religiosa do culto
de egunguns. Teve
origem bem específica na Bahia, foi trazida tardiamente mas esta
estabelecida, tem origem real no povo Yorùbá e papel na religião e
tem casas em outros lugares do Brasil além da Bahia.
A
tradição de Egungun está
ao
lado da tradição de Orixá (Òrìṣà) e é independente do culto
de orixá (Òrìṣà). Tudo é interligado pela religião mas são
independentes.
O
Ifá faz agora parte deste contexto. É similar ao culto de Egungun
nesse aspecto. Ele foi introduzido bem mais
tardiamente
(fim do século XX e início do XXI), está se estabelecendo a partir
do Rio de Janeiro e São Paulo e
é uma tradição muito nova ainda está em formação no Brasil. O
que temos são práticas importadas de Cuba de do Golfo do Benin.
Na
raiz do Jeje também existem cultos similares, existe o Fá que é
equivalente ao Ifá e tem um culto de Egungun, mas, desconheço que
ambos tenham vindo para o Brasil, no caso do Jeje o que veio para o
Brasil foi apenas o culto de Orixá (Òrìṣà).
Lembro
que esse é um blog com foco na religião Yorùbá, dessa maneira não
tenho propriedade para falar sobre tudo, me restrinjo ao contexto que
eu me propus. Nesse tema de matriz religiosa estou comentando sobre a
sua composição mas não vou fazer detalhamentos, para isso teria
que buscar isso e no momento isso não me interessa.
A
raiz religiosa Yorùbá foi a que se estabeleceu mais amplamente,
como eu disse antes, esse povo, o Yorùbá tem uma cultura relevante
que se populariza para onde vai. Apesar de ser um povo pequeno de uma
região restrita na África não pode ser ignorada a sua relevância
e influência para onde vão e sua capacidade de exportar isso.
Aprofundando
mais o entendimento na religião Yorùbá, a raiz religiosa Yorùbá
tem pelo menos 3 cultos principais: Orixá (Òrìṣà), Egungun e
Ifá. Dessa maneira as casas religiosas se agrupam em sendo de um
desses cultos, atenção
uma casa somente pretence a um desses cultos, não existe casa que
pertença ou tenha mais do que 1 culto.
Isso
adiciona mais um complicador a
este assunto,
mas é isso mesmo, assim, revisando, temos a raíz religiosa Yorùbá,
depois temos dentro dela temos 3 cultos: Orixá (Òrìṣà), Egungun
e Ifá, e abaixo deles temos, para o culto de orixá (Òrìṣà)
mais 2 níveis de divisão, a nação e as raízes de axé
(àṣẹ́)
das casas.
Para
o caso de Egungun eu desconheço divisões, não tenho essa
informação, mas, em função de sua origem comum não creio que
exista.
Para
Ifá não existe divisões, o que temos aqui são cultos estrangeiros
de 2 origens distintas, os cubanos e os africanos, mas, esses são
cultos estrangeiros não fazem parte da matriz afro-brasileira.
O
que fará parte da matriz afro-brasileira será o Ifá brasileiro,
quando ele estiver estabelecido e para ele se estabelecer como parte
da matriz vai ter que ser internalizado pelos brasileiros adotando
nossa sociedade e cultura. Não podemos considerar esses cultos
estrangeiros de cubanos e africanos como parte de nossa sociedade e
muito menos como parte da matriz religiosa.
A
matriz religiosa se atualiza com coisas novas e com
a saída das velhas, ela está viva, mas estrangeiros não fazem
parte disso. Pode ser que no futuro tenhamos um Ifá com 2 divisões,
não podemos dizer isso ainda.
Dessa
forma temos uma hierarquia de pelo menos 4 níveis até chegar na
casa efetivamente. Por essa razão é que entender esse assunto
requer cuidado, é muito fácil se perder ou não entender nada do
que se está falando.
Como
podem ver esse
excesso de diversidade é o que gera a dificuldade de entendimento e
a confusão, as pessoas misturam as coisas no nível mais externo a
ponta do detalhamento, as casas e
misturam ou comparam elas sem
amarrar as origens superiores. Você
tem que amarrar a casa a sua raiz superior para saber com o que está
lidando e antes de falar ou comparar casas deve saber se está
falando da mesma coisa.
Uma
coisa ou melhor uma casa só esta correta se ela tem uma relação
unívoca com essa hierarquia, assim, não será uma casa correta se
tiver relação com orixá (Òrìṣà) e Umbanda, não será correta
se na mesma casa você tiver orixá (Òrìṣà) e Ifá, ou orixá
(Òrìṣà) e Egungun.
Entender
a casa depois de entender essa estrutura da matriz religiosa
afro-brasileira facilita muito fazer uma avaliação dela. A gente
que está dentro da religião usa esse conhecimento para fazer nossas
avaliações e dizer que uma coisa esta certa ou errada. Um dos
primeiros critérios que a gente usa nas nossas avaliações e
julgamentos é esse posicionamento na matriz.
Como
eu disse relações unívocas e o que é isso. Isso significa que uma
casa somente esta ligada a uma coisa. Ela não pode ser de Ketu e
Efon, ela não pode ser Yorùbá e jeje, ela não pode ter ligações
laterais como, ser também de Umbanda e Ifá, etc…
Isso
é o certo. Em relação aos estrangeiros eles aqui fazem o que
querem.
Os
estrangeiros trouxeram o culto de orixá (Òrìṣà) através da RTY
e da Santeria, trouxeram o seu Ifá, trouxeram, o Palo cubano e
outros, quem sabe. Mas isso ai não é brasileiro, não é parte de
nossa matriz. Isso é estrangeiro.
Para
quem está dentro do Candomblé isso é uma coisa que se aprende com
o tempo, para pessoas de fora é quase
incompreensível.
Isso
tudo eu estou falando de Candomblé Ketu, imagine as demais
tradições. É muito fácil se perder, mas, na verdade, o assunto é
simples, é a falta de conhecimento que faz isso complicar.
Vamos
a outros comentários adicionais no sentido de estabelecer umas
negações.
Fazendo
referência ao que vi na wikipedia, eles ERRADAMENTE relacionam os
seguintes cultos aos Bantus:
- Candomblé de Caboclo
- Xambá
- Catimbó
- Pajelança
- Toré
- Umbanda
- Cabula
Essa
lista ai é um absurdo e um dos motivos da gente sempre ter um pé
atrás com a wikipedia.
Vamos
la, Candomblé de Caboclo já está extinto, era uma ligação com o
Candomblé Jeje com Caboclos brasileiros, era uma mistura mesmo, um
sincretismo, teve origem na Bahia na região do recôncavo e como
tudo o que é inventado e sem raiz, acaba.
O
Xambá foi outra invenção, em Pernambuco, estava ligado ao
Candomblé, uma mistura que do mesmo jeito que começou acabou.
O
Catimbó, Pajelança e Toré são cultos ameríndios brasileiros,
influenciados pelo catolicismo. Não tem nenhum vínculo com a
África.
A
Umbanda é uma religião brasileira, ela não faz parte do
contexto afro-brasileiro. Essa não é apenas uma afirmação minha é
a história da Umbanda que mostra isso e qualquer pessoa que conheça
o assunto sabe disso.
A
Umbanda é altamente sincrética e com o passar de muitos anos ela
absorveu alguns cultos afros que acabaram desaparecendo. Todo o grupo
Bantu que promovia a Quimbanda ou a Macumba acabou, sua prática foi
superada pela Umbanda.
Esse
grupo Bantu, de prática religiosa bem pobre e objetiva voltada para
a troca de favores e mercantilização desta atividade eram os
feiticeiros. Uma parte se travestiu de culto de Orixá (Òrìṣà) e
virou o Omolokô. Outro, a maioria se transformou em casas de
Umbanda, assim se autodeclarando.
Foi
esse grupo que ao ser duramente digerido pela Umbanda trouxe a
africanização do formato da Umbanda e essa africanização estética
faz as pessoas pensarem que a Umbanda seja parte do contexto
afro-brasileiro. Não é, mesmo tendo incorporado alguns elementos
africanos, como os tambores, a Umbanda é um culto e religião
distinta e brasileira.
O
Cabula é um culto de origem malê e dessa forma islâmico. Era
conhecido como a maçonaria dos negros.
As
pessoas têm o mau hábito de associar tudo o que não faz parte do
grupo do golfo do Benin como sendo Bantu e isso é bobagem.
O
que faz parte do grupo Bantu é a Macumba ou a quimbanda e isso
acabou.
O
mesmo texto da wikipedia também faz referência a outras cultos como
sendo afro-brasileiros:
- Culto dos egunguns
- Encantaria
- Jurema de terreiros
- Jurema sagrada
- Quimbanda
- Quiumbanda
- Omolokô
- Terecô
Mais
um monte de bobagens.
O
culto dos egunguns é sim parte da matriz afro-brasileira, já
listei. Ele está ligado ao grupo Yorùbá.
Encantaria,
jurema de terreiro e jurema sagrada, são sinônimos para a mesma
coisa é tudo Catimbó.
Quimbanda
e quiumbanda são a mesma coisa, é tudo macumba bantu.
O
terecô esta ligado aos cultos ameríndios.
O
omolokô era uma mistura de Umbanda e Candomblé, uma coisa criada e
sem origem e por isso mesmo, como eu disse acabou.
Por
fim tenho que mencionar o conhecido Candomblé de Angola. O Candomblé
de Angola foi uma invenção dos Bantus aqui no Brasil do fim do
século XIX. Eles viam os Candomblé de Ketu e Jeje e não tinham
nada equivalente, assim inventaram o Candomblé deles copiando o que
os outros faziam, inventando divindades e usando a língua deles.
Hoje
em dia ele substituiu o Omolokô no show de horrores que fazem com a
religião afro-brasileira.
A
minha lista de custos ameríndios é:
- Catimbó
- Toré
- Terecô
Eu
não conheço a citada pajelança, para mim isso é um ritual e não
um culto.
A
Umbanda, como eu disse é uma religião brasileira, foi criada aqui e
não tem origem africana. A africanização é parte do processo de
absorção e de sincretismo da Umbanda.
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